Após sete anos de forte campanha midiática, os réus do  “mensalão” denunciados por crime de formação de quadrilha,  incluindo a cúpula do PT, foram condenados com pequena margem: 6 votos a 4. Com  isso, eles podem ingressar com embargos infringentes, medida prevista no artigo  333 do regimento interno do Supremo Tribunal Federal (STF) que, se acatada,  assegura novo julgamento aos réus condenados com pelo menos quatro votos  divergentes.
    
  A sessão desta segunda-feira (22) deu continuidade à análise do capítulo 2 do  processo, iniciada na semana passada, com a condenação de 11 dos 13 réus pelo  relator, Joaquim Barbosa, e a absolvição de todos eles pelo revisor, Ricardo  Lewandowski. A pequena margem que garantiu a condenação foi conseguida com  votos duros, que escancararam o teor político do julgamento, com vistas a  influir no resultado das urnas do próximo domingo (28). 
  
  O mais impressionante deles foi o do ministro Marcos Aurélio Mello, que releu  seu discurso de posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em  2006, no auge do escândalo do “mensalão”. 
  
  O ministro revelou que, à época, pediu que o então presidente Lula não  comparecesse ao evento porque precisava “dar um recado” sobre os  “tempos muito estranhos envolvendo a vida pública”, que levaram o  país não só a “uma crise de valores, senão um fosso moral e ético que  parece dividir o país em dois segmentos estanques: o da corrupção, seduzido  pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura, e de uma  grande massa comandada que, apesar do mau exemplo, esforçasse para sobreviver e  progredir. Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos”.
  
  Para combater a corrupção, o discurso relido de Marco Aurélio evocou “o  poder revolucionário do voto com o qual, eleição após eleição, estamos os  brasileiros a nos aperfeiçoar”, disse que “ao usar a voz da urna, o  povo brasileiro certamente ouvirá o eco vitorioso da cidadania, da verdade”  e que impunha-se ao eleitor “a conscientização, a análise do perfil, da  vida pregressa daqueles que se apresentem [candidatos]”, pois  “somente dessa forma o eleitor responderá às exigências do momento,  ficando credenciado, em passo seguinte, eleitor, à cobrança”.
  
  Em seu voto, o magistrado condenou 11 dos 13 acusados e ironizou:  “Mostraram-se os integrantes em número de 13. É sintomático o número.  Mostraram-se afinados (...). Pareciam a máfia italiana”. Marco Aurélio  absolveu os ex-diretores do Banco Rural, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório.
  
  Com o revisor
  
  Três ministros seguiram o revisor, Ricardo Lewandowiski, e absolveram todos os  13 réus denunciados por formação de quadrilha. Primeira a votar nesta tarde, a  ministra Rosa Weber manteve posição já destacada em votos anteriores, de que a  tipificação da quadrilha exige que ela seja formada para a prática de crimes e  que pressuponha alarma e perturbação da ordem social. “Quadrilha é a  estrutura que causa perigo por si mesma, o que nada tem a ver com concurso de  agentes”, justificou.
  
  A ministra alegou também que a tipificação do crime de quadrilha exige a pré  associação dos agentes para a confecção de crimes variados. “Só existe  quadrilha na acepção legal quando os agentes visam a uma quantidade  indeterminada de delitos”, acrescentou. Rosa se amparou em decisão do  Tribunal de Justiça da Alemanha sobre crime equivalente naquele país.  “Não identifico em qualquer hipótese, à luz dos fatos descritos nos  autos, o dolo de criar ou participar de uma organização autônoma com vistas à  prática de crimes indiscriminada”, sintetizou. 
  
  O ministro Joaquim Barbosa interveio. Descartou os argumentos jurídicos e optou  pelo discurso emocional do suposto tratamento diferenciado entre crimes de  pobres e ricos. “Eu estou com a impressão de que nós estamos caminhando  para algo que eu denominaria uma exclusão sociológica de crimes de formação de  quadrilha. A ideia que começo a perceber é que só praticariam o crime de  formação de quadrilha as pessoas que praticam latrocínio, sequestro, roubo...  os chamados crimes de sangue”, criticou.
  
  Ele lembrou que, no decorrer desta ação, a corte condenou várias pessoas que  cometeram crimes contra a administração pública. “Compra de parlamentares  não pode ser cometida sem que haja concerto entre pessoas, porque dinheiro não  dá em árvores. É preciso que haja crime de sangue para que a paz seja abalada?  Não basta este crime de pecuniarização da vida política?”, questionou.
  
  A ministra Carmem Lúcia pediu para antecipar seu voto e contra-argumentou.  Segundo ela, outras decisões da corte comprovam que é possível condenar por  formação de quadrilha os praticantes de crime de colarinho branco, desde que a  tipicidade seja comprovada, o que ela não acreditava ser o caso deste  julgamento. Para a ministra, a ação em pauta trata de pessoas que chegaram a  cargo de poder ou que faziam parte de empresas de maneira legítima, e ali  naqueles cargos praticaram um ilícito penal. Portanto, têm que responder pelos  crimes que praticaram, e não serem tratadas como se tivessem chegado ao poder  apenas para cometê-los. 
  
  Em um voto relâmpago, o ministro Dias Toffoli apenas informou que acompanharia  o revisor.
  
  Com o relator
  
  O ministro Luiz Fux seguiu integralmente o relator. Conforme ele, “restou  incontroverso neste plenário que três núcleos se uniram em torno de um projeto  delinquencial comum”. Para justificar a opção por quadrilha e não  coautoria, se amparou no tempo em que os crimes foram praticados e em um  entendimento abstrato do conceito de paz pública. “Essa quadrilha atuou  por quase três anos e só acabou em função de um escândalo. Não é normal na  doutrina coautoria por tanto tempo”, argumentou.
  
  O ministro Gilmar Mendes também entendeu que houve formação de quadrilha. Com  base em acórdão de autoria do colega Celso de Mello, defendeu que, para  formação de quadrilha, é necessário concurso de pelo menos quatro pessoas, com  o objetivo de prática criminosa, de forma estável e permanente. “O crime  de quadrilha não se confunde com concurso, que é eventual e temporário”,  justificou. 
  
  Mendes ainda ressaltou que os dirigentes do PT tinham um projeto de poder que  combinava dois fatores: expansão do partido e formação da base aliada. E que  não se furtou a usar de meios ilícitos para concretizá-lo. “Não se pode  cogitar o normal da ordem pública e social quando se tem um partido político  cooptando parlamentares”.
  
  Já o decano, Celso de Mello, começou seu voto dizendo que, em mais de 44 anos  de atuação na área jurídica, nunca viu o delito de quadrilha “tão  nitidamente caracterizado”. E chegou a compará-lo aos crimes cometidos  pelo tráfico de drogas, que mitiga o Rio de Janeiro, ou ao PCC, que atemoriza  São Paulo. Para rebater argumentos do revisor, Mello afirmou que os integrantes  de uma quadrilha não precisam viver necessariamente das atividades dela e que  esta ação criminosa em grupo afetou a paz pública ao se instalar “no  núcleo mais íntimo e elevado de um dos poderes da República”. 
  
  Em um voto carregado de adjetivos, Mello afirmou que “a essa sociedade de  deliquentes, o direito penal brasileiro dá um nome: o de quadrilha ou  bando”. Pouco depois, destacou que o STF não está criminalizando a  política: “Estamos a condenar não atores políticos, mas protagonistas de  sórdidas tramas criminosas”.
  
  O presidente Ayres Britto seguiu a mesma linha do decano. Defendeu a existência  da quadrilha e destacou que “o que estamos julgando é um modo espúrio,  delituoso de fazer política”.
  
  Resultados
  
  Ao final, foram condenados por 6 votos a 4 o ex-ministro da Casa Civil, José  Dirceu, o ex-presidente do PT, José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delubio  Soares, o publicitário Marcos Valério, os ex-sócios dele Cristiano Paz e Ramon  Hollerbach, o advogado Rogério Tolentino, a ex-diretora das agências de  Valério, Simone Vasconcelos, e os ex-dirigentes do Banco Rural: Kátia Rabello e  José Roberto Salgado.
  
  A ex-funcionária do Banco Rural, Ayanna Tenório, foi inocentada por  unanimidade. Já a ex-funcionária de Valério, Geiza Dias, foi absolvida, mas só  não contou com o voto de Marco Aurélio. O ministro também inocentou o ex-diretor  do Banco Rural, Vinicius Samarane, provocando o sétimo caso de empate no  julgamento. Nesta terça-feira (22) os ministros decidirão o que fazer com os  empates, mas as manifestações até o momento indicam que os réus serão  favorecidos neste caso.
  Fonte: Carta Maior
 
 
 
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