quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Oliveira e Dall'acqua: As provas de José Dirceu

Após analisar a conduta de inúmeros acusados, o STF inicia hoje o julgamento de José Dirceu na ação penal 470. A defesa repudia, com base em sólidas provas, cada uma das acusações apresentadas contra o ex-ministro pela procuradoria-geral.

 

Por José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall'acquia*

 

Um exemplo é o episódio da viagem a Portugal. Relembrando: Jefferson, no ápice de suas midiáticas acusações, revelou que seu fiel escudeiro no PTB, Emerson Palmieri, viajara a Lisboa com Marcos Valério e seu sócio Rogério Tolentino. Dizia que a viagem teria sido orquestrada por Dirceu para buscar milhões de euros nos cofres da Portugal Telecom.

 

Palmieri reconheceu em juízo que nunca sequer falou com Dirceu e que nem sabe se a viagem "foi pra obter valores". Mas, seguindo a cartilha de Jefferson, disse que presenciou o publicitário se apresentando na portaria da Portugal Telecom como "Marcos Valério do PT do Brasil". Tolentino e Valério sempre negaram essa versão, defendendo que a viagem se deu por negócios com a Telemig.

 

Uma breve amostra sobre o debate acerca da consistência destes testemunhos teve início na sessão de julgamento de Palmieri e Jefferson, quando o ministro Ricardo Lewandowski observou que, segundo conclusão da própria CPMI dos Correios, a viagem a Lisboa não tinha vínculos com o PT ou José Dirceu.

 

O revisor ainda registrou a existência do testemunho judicial do presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa, que garantiu que suas reuniões com Valério se davam sempre por conta da Telemig e que ele jamais se apresentou como sendo do "PT do Brasil" ou ligado a José Dirceu. Costa recebeu de sua secretária o anúncio de que na recepção estava "Marcos Valério da DNA Propaganda", não do "PT do Brasil".

 

Assim, o episódio não pode ser usado como prova contra Dirceu. Ele, ao contrário, escancara a intenção de Jefferson em criar fatos contra o governo para desviar o foco das acusações de corrupção nos Correios.

 

Um outro episódio diz respeito à ex-mulher de José Dirceu, Ângela Saragoça, que obteve empréstimo de R$ 42 mil no banco Rural e um emprego no banco BMG. Ângela sempre garantiu que Dirceu não teve participação ou mesmo ciência desses fatos e que foi apresentada a Marcos Valério exclusivamente por meio de Silvio Pereira, seu amigo desde a fundação do PT, nos anos 1980.

 

Seu testemunho foi acompanhado por todos os outros depoimentos no processo. É importante observar que os fatos se deram quando a sua relação conjugal com José Dirceu se encontrava encerrada havia mais de dez anos, estando o ex-ministro já em seu terceiro casamento.

 

Numerosas provas também afastam a acusação de que as reuniões de Dirceu com os representantes do banco Rural seriam indícios de sua ciência dos empréstimos bancários.

 

Há inclusive uma testemunha que, presente em uma reunião oficial no Hotel Ouro Minas, garante que questões afetas ao PT jamais foram debatidas. O ex-ministro nunca favoreceu nenhum banco, seja o Rural ou o BMG, e somente os recebia em encontros oficiais por dever de ofício.

 

Ficou provado que na Casa Civil existia um Comitê de Agenda destinado a receber os pedidos de audiências e encaminha-los ao então ministro, somente com a relação das empresas solicitantes, sem a indicação do nome da pessoa responsável. Assim, se foi Marcos Valério quem fez os pedidos de audiência, tais fatos não vinculam de forma alguma o publicitário mineiro com Dirceu.

 

Enfim, todos os demais aspectos das acusações da PGR foram infirmados por um sólido conjunto de provas produzidas ao longo da ação penal 470, sendo impossível citar todas nesse espaço. O STF, guardião da Constituição, zela pelo princípio da fundamentação dos atos decisórios, que pressupõe que os indícios acusatórios devem ser adequadamente confrontados com as provas apresentadas pela defesa.

 

Feita esta análise, o caminho que deve direcionar uma sentença justa é bem resumido na lição da ministra Carmem Lúcia: "para a condenação, exige-se certeza, não bastando a grande probabilidade".

 

Ao final de uma ação penal em que o próprio procurador-geral da República reconheceu dispor de "provas tênues" contra o ex-ministro da Casa Civil, a justa absolvição de José Dirceu não é pleiteada com base no princípio "in dubio pro reu", mas sim na certeza que existem provas mais do que suficientes da sua cabal inocência.

 

*José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall'acquia são advogados criminalistas e defensores de José Dirceu na ação penal 470.

 

Fonte: Folha de São Paulo

 

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