O Brasil “torrou” suas estatais, e não houve redução alguma na dívida interna
Emir Sader: roteiro para a CPI das Privatizações
Nem bem acabaram as CPIs e recomeçou o Big Brother. Parecem dois mundos muito diferentes. Afinal, um se refere – ou deveria – a interesses públicos, o outro se caracterizaria pela exibição de cenas da vida privada. Mas serão tão distintos entre si?
Uma delas pode de fato mudar muita coisa: a CPI das privatizações do governo FHC. Foi a maior transferência de recursos de umas mãos – neste caso, públicas – para outras – privadas – da história do Brasil, consistindo no maior negócio que já se armou, a favor das grandes empresas privadas, nacionais e estrangeiras, e contra as empresas estatais.
“Aproveite a política de privatizaçoes do governo brasileiro” – anunciava Aloysio Biondi, em um livro que vendeu centenas de milhares de exemplares, “O Brasil privatizado – Um balanço do desmonte do Estado – Como as privatizações foram feitas. A entrega do patrimônio público. Por que o Brasil ficou mais pobre. O mito das forças de mercado”.
Telebrás
Está ali um roteiro feito para a CPI. Exemplos: antes de vender as empresas telefônicas, o governo investiu 21 bilhões de reais no setor, em dois anos e meio. Vendeu tudo por uma “entrada” de mais ou menos 8,8 bilhões de reais, financiando metade da “entrada” para grupos privados. Um negócio da China, não fosse daqui mesmo, feito por tucanos, controlando o BNDES.
Banerj
Na privatização do Banerj – feita no Rio, também pelos tucanos de Marcelo Alencar – o “comprador” pagou apenas 330 milhões de reais e o governo do Rio tomou antes um empréstimo dez vezes maior, de 3,3 bilhões de reais para pagar direitos dos trabalhadores.
Rodovia dos Bandeirantes
Na privatização da rodovia dos Bandeirantes, a empreiteira que ganhou o leilão ficou recebendo 220 milhões de reais de pedágio por ano desde que assinou o contrato, passaram-se muitos anos e ainda não tinha sido iniciada a construção da nova pista.
CSN
A Cia. Siderúrgica Nacional foi comprada por 1,05 bilhão de reais, dos quais 1,01 bilhão em “moedas podres” – vendidas aos “compradores” pelo BNDES, financiados em 12 anos.
Um negócio redondo, para quem comprou, uma perda brutal para quem – o povo brasileiro – perdeu o patrimônio que havia criado e desenvolvido. O governo financiou a compra no leilão, vendeu “moedas podres” a longo prazo e ainda financiou os investimentos que os “compradores” – sempre entre aspas, porque na verdade foram “receptadores” de espécies de doações do governo ao setor privado – precisam fazer.
Como se não bastassem, para aumentar ainda mais os lucros dos “compradores”, o governo aboliu dividas bilionárias, demitiu funcionários, investiu maciçamente e chegou até mesmo a aumentar tarifas e preços antes da privatização.
No primeiro trimestre de 1997 – relata Biondi – quando ainda era empresa estatal, a Telebrás teve um lucro de 250%, fenômeno similar ao que passou com as empresas de energia elétrica. A lucratividade da Eletrobrás aumentou 200% ano anterior. Os dados desmentiam as afirmações de FHC – que deveria ser chamado para esclarecer as contradições de que as estatais eram “um saco sem fundo”, que tinham que ser privatizadas pelo déficit que causavam ao governo.
BNDE$
É que o governo foi terminando o congelamento de tarifas, que bloqueava o crescimento das empresas, preparando a privatização. Naquele mesmo momento o governo baixou um decreto – ainda em vigor – proibindo o BNDES de financiar as empresas estatais, deixando-a apenas como financiador das empresas privadas. Estes financiamentos, a juros abaixo do mercado, serviram inclusive para a compra das empresas estatais. Posteriormente o BNDES foi autorizado a conceder empréstimos também à empresas estrangeiras.
Biondi conclui, entre tantos escândalos que o governo dizia que tinha arrecadado 85,2 bilhões de reais com as privatizações. Porém contas “escondidas” - que a CPI tem que tirar do armário – mostram que há um valor maior, de 87,6 bilhões de reais a ser descontado do “entrada de caixa”, faltando ainda calcular itens como gastos com demissões, perdas de IR, perda dos lucros das estatais privatizadas, etc.
“O balanço geral – diz Biondi – mostra que o Brasil “torrou” suas estatais, e não houve redução alguma na dívida interna. O maior escândalo de corrupção da história do Brasil.
A CPI com a palavra, se não quiser se tornar apenas em mais um Big Brother.
Emir Sader é professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História”.
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