quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Democracia de toga

Para a OAB, na prática, as prerrogativas dos advogados não são privilégios de uma classe, mas um conjunto de normas estabelecidas em lei, destinadas a garantir a liberdade de defesa e os direitos dos cidadãos.

Só que a OAB, destoando dos mais elementares princípios legais, como diz o procurador-geral de Justiça, divulga na internet lista de inimigos. A medida causou protestos de juízes e promotores;



Relação publicada traz nomes de pessoas que, segundo a entidade, ofenderam ou impediram o trabalho de advogados




A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo decidiu divulgar em seu site uma lista com os nomes de 173 pessoas consideradas inimigas da categoria, como juízes, policiais, promotores e jornalistas. A divulgação provocou protestos de entidades de classe e de pessoas citadas, que consideram a medida abusiva.
A lista inclui nomes de profissionais que, segundo deliberação interna de comissão da OAB-SP, violaram as prerrogativas dos advogados. Essas pessoas teriam impedido o trabalho ou ofendido advogados durante o exercício da profissão. O caso foi revelado pelo site "Consultor Jurídico".

As moções de repúdio foram concedidas desde 2002. Além da exposição, ter o nome na lista pode gerar represália: a OAB pode negar a carteira da entidade para aquele profissional que queira atuar como advogado.
Mário de Oliveira Filho, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, afirma que a medida é baseada em lei federal de 1994. Segundo essa lei, seccionais da OAB podem abrir procedimentos contra profissionais que prejudicam as funções do advogado.


Ele disse que isso sempre foi feito, mas a divulgação era mais restrita. Primeiro a Comissão de Direitos e Prerrogativas, após pedir uma defesa escrita por parte do denunciado, votava a moção de repúdio ou desagravo. Esse ato era lido em uma sessão da comissão e depois publicado no "Diário Oficial".
A novidade é que esse cadastro está mais acessível. Pode ser consultado, desde o mês passado, pelo site da OAB/SP. "Por que as pessoas estão pulando como se estivessem descalças em chapa quente?", questionou Oliveira Filho.


Por enquanto, a divulgação da lista pela internet é um ato isolado da OAB/SP. A assessoria da seccional do Rio confirmou que está elaborando seu cadastro, mas não há previsão de divulgação pelo seu site. O presidente da OAB nacional, Roberto Busato, afirmou que a divulgação pela OAB/SP não foi comunicada ao Conselho Federal da entidade.

Nomes


Da lista de inimigos, há 53 juízes, 30 policiais civis, 23 vereadores, 17 promotores, três procuradores da República e dois jornalistas, um deles Elio Gaspari, colunista da Folha.


Segundo representantes de juízes, promotores e procuradores, a medida é abusiva. O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Walter Nunes Júnior, afirma que a OAB não poderia criar um foro para julgar outro profissional por ser uma entidade de classe. "É uma ingerência julgar todo e qualquer profissional sob o argumento de que estaria usurpando a prerrogativa da advocacia."


Em nota, o procurador-geral de Justiça, Rodrigo Pinho, disse que a medida "destoa dos mais elementares princípios legais e constitucionais", pois a OAB não tem poder para julgar outro profissional. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolao Dino de Castro, disse, em nota, que isso implica "indevido cerceio a uma atividade profissional".


Para o colunista Elio Gaspari, a publicação o fez perder "o respeito pela OAB". "Tem um grupo de pessoas que acha que você fez uma coisa errada, eles se reúnem e te condenam."


Gaspari disse que, no processo interno da OAB, não teve o direito de se defender pessoalmente. Ele foi incluído na lista por conta de processo movido por uma procuradora contra ele e a Folha após publicação de texto em que contestava parecer em que ela apontava a necessidade de uma vítima de tortura provar que foi mantida em cativeiro. Ela teve decisão favorável em primeira instância. Gaspari recorreu. O caso tramita no Tribunal de Justiça.


O jornalista e advogado Ricardo Piccolomini de Azevedo, diretor do jornal "A Comarca" de Mogi Mirim, classificou a lista com seu nome como uma "atitude corporativista". Ele publicou reportagens que questionavam os honorários que os advogados da Prefeitura de Mogi Mirim recebiam quando defendiam o município.

Para o procurador da República Sérgio Suiama, seu nome foi incluído por ter chamado advogados da Igreja Universal de "representantes do ódio e da intolerância racial". Ele havia acatado representação de entidades afro-brasileiras que se sentiram ofendidas com declarações de pastores da igreja contra praticantes de religiões como o candomblé. "Eu disse e repito, pois aqueles advogados estavam defendendo esse tipo de postura [preconceituosa]."


O vereador Gilberto Barreto (PSDB) disse que teve seu nome incluído na lista quando tentou impedir que um advogado interferisse nas declarações de uma testemunha em depoimento à CPI que apurou supostas irregularidades no Tribunal de Contas do Município, em 2003. "Sou advogado, inscrito na OAB/SP há quase 30 anos, e nunca fui comunicado dessa decisão. A OAB não pode tomar uma decisão com base em um entendimento que é só da entidade", disse Barreto, presidente da CPI na época.


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