Pedro Porfírio
Até hoje, tudo gira em função de suas bulas papais e de suas encíclicas. A inserção de dioceses ou prelazias na discussão livre dos problemas concretos dos cidadãos ainda é pontual ou temporária. .
Isso leva a um isolamento de fato, a uma relação simbólica entre a Igreja e os fiéis. Nessa questão do aborto, na resistência ao uso de embriões humanos para salvar vidas e curar doenças, a Igreja corre o risco de submeter-se a uma farsa: o mesmo católico que se diz contra o aborto nada faz contra sua prática na ilegalidade, com suas conseqüências fatais sobre as mães desesperadas.
Mais grave, porém, é que o Vaticano opõe-se a qualquer método anticoncepcional que não seja a abstinência. Com isso, torna-se o maior aliado do aborto em países como o Brasil, onde 67% das mulheres desconhecem qualquer método preventivo.
Em nome de seus dogmas obsoletos, que ninguém leva a sério, imagina tolher a vida sexual natural e não admite sequer que nem os casais de papel passado usem contraceptivos, quando qualquer um sabe que a vida conjugal se torna impraticável à falta do prazer de uma relação.
Homicidas poupados
Quando o papa vem a um país reafirmar a mais absoluta intolerância diante da autonomia do corpo, que nada tem em relação às questões da fé, ele demonstra um estado de desespero de todo o clero e prenuncia até mesmo a possibilidade de uma mudança latente entre seus adeptos.
É como se estivessem recorrendo a um tiro de canhão para matar uma formiga. O papa não existe para servir de policial das exigências morais que não se fundam nos próprios valores do bem.
Faria muito melhor Bento XVI se falasse às almas daqueles que praticam crimes perversos, roubam, corrompem ou se corrompem. O papa ameaça excomungar quem defende o aborto de um embrião - mas não promete o mesmo "castigo" para os que roubam vidas humanas de adultos e crianças ou produzem as condições que forjam esse clima de injustiças e exploração, pai dos atos de perversidade que a sociedade já não agüenta mais.
A impressão que Bento XVI passou à sua chegada é que veio a fim de incrementar mais polêmica, mais brigas, para desconforto dos que estão responsavelmente preocupados com o caos social decorrente da explosão demográfica.
Por tal intransigência, a Igreja Católica perdeu sua mística na Europa, onde o aborto é legal e as relações entre parceiros do mesmo sexo já são oficiais em países como a Espanha, de tradição religiosa inquestionável e onde muitos mosteiros viraram hotéis e atrações turísticas.
O pior que se pode fazer à figura de um chefe de uma religião de penetração em centenas de países é transformá-lo em agente de ameaças exóticas e despropositadas.
No Brasil, queremos sim, no mínimo, discutir com liberdade assuntos que nos dizem respeito, enquanto sociedade soberana. Tentar transformar em religiosa uma questão de saúde pública, valendo-se do seu cajado, é uma atitude inábil, intolerante e intolerável. Não é da missão de um visitante, mesmo sendo o papa.
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