sexta-feira, 22 de junho de 2007

ELIAKIN ARAÚJO
O PACOTE DO NECROLÓGIO

Quem trabalhou em redação de rádio e TV antes do advento do computador deve se lembrar do envolope com o necrológio que entrava em cena cada vez que uma personalidade pública adoecia gravemente com um quadro clínico caminhando para um final irreversível. No caso da TV, era um pacote maior pois tinha que conter, além da “cabeça” (texto lido pelo apresentador para introduzir a matéria), a fita com as imagens de arquivo do futuro de cujus.

Velocidade e instanteneidade são características da mídia eletrônica. Com o necrológio pronto, daria o “furo” quem fosse mais rápido em acionar o gatilho da informação. Assim, o pacote ganhava importância fora do comum e era objeto de recomendada atenção na troca de plantões.

O caso clássico de morte antecipada é o do ex-presidente Tancredo Neves. Sua longa agonia, que começou na véspera da posse em 14 de março e terminou em 21 de abril de 1985, levou ao desespero não só a família, mas também milhares de jornalistas que eram obrigados a plantões dobrados nas madrugadas à espera da notícia da morte. Enquanto isso, a demora e o manuseio diário iam envelhecendo o pacote com o necrológio do presidente.

Os tempos mudaram com a chegada da internet. O necrológio antecipado permanece, mas hoje não há mais fitas. Os envelopes ou pacotes com o material de pesquisa foram substituídos por arquivos gravados na memória dos computadores. Um simples click coloca no ar o material previamente preparado.

Lembrei-me de contar essa história ao saber do agravamento da saúde do senador Antonio Carlos Magalhães, hospitalizado mais uma vez em São Paulo. É um caso típico. Com várias internações em curto período, idade avançada e complicações causadas por diabetes e coração já safenado, a essa altura o necrológio de ACM deve estar prontinho nas redações.

Mas a grande questão é saber o que dirão as emissoras sobre o candidato a morto? Será que destacarão sua contribuição civil ao golpe de 64 e o apoio irrestrito aos governos militares, o que lhe valeu governar a Bahia duas vezes por nomeação?

E os vários escândalos em que se envolveu em sua longa vida pública serão relembrados, como o caso da manipulação do painel eletrônico do Senado, para quebrar o sigilo dos votos dos parlamentares? E o célebre caso da escuta telefônica ilegal na Bahia, quando mandou grampear os telefones de vários adversários políticos?

Entre 1985 e 1990, ACM foi Ministro das Comunicações do governo Sarney e aí foi uma festa. Foi como botar a raposa para tomar conta do galinheiro. Com a ajuda do amigo Roberto Marinho, construiu um poderoso império de comunicação na Bahia com várias emissoras de TV, todas afiliadas da Rede Globo, rádios e o Correio da Bahia. Com isso, a oposição na Bahia ficou praticamente sem presença na mídia do estado.

São dezenas as histórias que se contam de Toninho Malvadeza. Histórias de perseguições e agressões físicas a parentes que dele discordassem, a jornalistas e adversários, aos quais ameaçava com a divulgação de dossiês sobre a vida pessoal de cada um.

Será que as emissoras de TV, especialmente a Globo, darão uma dimensão real a uma biografia tão rica? Ou será que vai prevalecer o princípio do perdão, pelo qual todo mundo vira santo depois de morto?

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