O Supremo Tribunal Federal pode decidir, em breve, o destino de diversas personalidades do mundo político de Minas Gerais, entre eles tucanos de alta plumagem como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e o senador e ex-presidente do PSDB, Eduardo Azeredo. Entre as acusações contra eles estão a de movimentação de altas somas de dinheiro, sem origem declarada, em período eleitoral. Um alentado relatório de 172 páginas, recheado de documentos e provas, produzido pela Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, foi encaminhado ao ministro Joaquim Barbosa, encarregado do inquérito no STF.
O esquema, conhecido como "tucanoduto", surpreende pelos valores movimentados, estimados no total em mais de R$ 100 milhões, muito mais que o mensalão denunciado por Roberto Jefferson e que provocou uma turbulência política de grande apelo midiático em 2005.
A acusação versa sobre a campanha eleitoral à reeleição, em 1998, do então governador Eduardo Azeredo (PSDB), e descreve o esquema também apelidado de "mensalão mineiro". Obtido pela revista Consultor Jurídico, o documento, assinado pelo delegado federal Luiz Flávio Zampronha e que tem trechos divulgados pela revista IstoÉ deste fim de semana, busca apontar o ministro Walfrido dos Mares Guia como o "cabeça" do esquema numa clara tentativa de desviar o foco das investigações do núcleo tucano.
Segundo a investigação da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros, a maior parte da derrama aconteceu para a compra de apoio político no segundo turno da eleição de 1998, no qual Azeredo acabou derrotado pelo ex-presidente Itamar Franco.
Segundo a PF, o comitê da campanha de Azeredo montou uma estratégia "para legitimar (lavar) os recursos que seriam empregados durante a dispendiosa campanha, tendo por base a utilização das empresas de publicidade de Marcos Valério no desenvolvimento da sofisticada técnica conhecida por commingling (mescla)". Ainda de acordo com o relato do delegado, a mescla consiste "na utilização de estruturas empresariais legítimas para a reunião de recursos obtidos licitamente, a partir de atividades comerciais normais, com outros obtidos ilicitamente".
Zampronha afirma que, no caso da campanha de Azeredo, "tratavam-se de fundos públicos desviados das administrações direta e indireta do Estado de Minas Gerais e de valores repassados à coligação eleitoral por empresários, empreiteiros e banqueiros com interesses econômicos junto ao poder público daquela unidade da Federação".
"Constatou-se a existência de complexa organização criminosa que atuava a partir de uma divisão muito aprofundada de tarefas, disposta de estruturas herméticas e hierarquizadas, constituída de maneira metódica e duradoura, com o objetivo claro de obter ganhos os mais elevados possíveis, através da prática de ilícitos e do exercício de influência na política e economia local", diz o relatório da PF. Com diversos laudos periciais, extratos bancários e dezenas de depoimentos, o documento põe fim a uma batalha política entre oposição e governo que se arrasta há dois anos, desde que a CPI que apurou o Mensalão federal se recusou a investigar o caixa 2 da campanha de Eduardo Azeredo em Minas.
De acordo com o relatório, as investigações partiram do depoimento do então candidato a vice de Eduardo Azeredo, Clésio Andrade, ex-sócio de Marcos Valério na empresa SMP&B. Sem meias palavras, Clésio atesta que o ministro Walfrido seria a peça-chave de um "núcleo de poder" do governo Azeredo e, por conseguinte, da campanha à reeleição.
A Polícia Federal, de fato, encontrou anotações manuscritas com estimativas de gastos da campanha, feitas por Walfrido. Em seu depoimento, o ministro revelou que pertencem a ele os rascunhos mal traçados com valores constantes lado a lado de inúmeras abreviaturas.
Mas a lista mais comprometedora é a que foi assinada pelo coordenador financeiro da campanha, Cláudio Mourão. Nos recibos recuperados pela PF a partir da chamada "Lista de Mourão", fica provado que o dinheiro "não contabilizado" dos tucanos irrigou não só a campanha de reeleição de Azeredo, mas de boa parte da elite da política mineira. O valor total rateado entre ela teria alcançado R$ 10,8 milhões.
Como beneficiário de um repasse de R$ 110 mil, aparece o atual governador Aécio Neves, que na época disputava a reeleição na Câmara dos Deputados. O relatório compromete ainda 159 políticos mineiros que participaram da disputa de 1998, entre eles a então senadora Júnia Marise e 82 deputados, entre federais e estaduais. No total, 17 partidos são citados. Cerca de R$ 880 mil teriam sido divididos entre 34 sacadores, sendo cinco deputados federais.
Com exceção dos 82 deputados federais ou estaduais que receberam, em nome próprio ou de assessores, depósitos feitos diretamente pelas empresas de Marcos Valério, não é possível por enquanto assegurar que os repasses ao restante dos 159 políticos tiveram origem no caixa 2 operado pelo publicitário e pelo núcleo central da campanha de Eduardo Azeredo. "Muitos dos saques foram em dinheiro vivo, o que dificulta o rastreamento", garante um dos policiais que participaram dos trabalhos.
Clique aqui para ver o relatório da Polícia Federal <http://conjur.estadao.com.br/pdf/relatorio.pdf>
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