O HUMBERTO, do Blog o Cata-milho, mandou um texto interessante sobre o CABEÇA-FURADA "REINALDO AZEVEDO". É um texto que traça o perfil daquele lá. Uma radiografia que desmonta a tese da SUPERIORIDADE tão comumente evocada por seus fãs ( que não tem capacidade e nem preparo para ver os seus ERROS GRAMATICAIS).
Regências
22-01-2007 19:22:24
SÍRIO POSSENTI
especial para a PrimaPagina
Há duas semanas, comentei aqui um parágrafo de um texto de Diogo Mainardi publicado numa Veja de final de ano. O mesmo número (1988) publicava um artigo de Reinaldo Azevedo que me dá o mote para meu texto de despedida deste espaço (depois eu explico). Opondo seu “iluminismo” ao primitivismo e autoritarismo do PT (juro que é mais ou menos isso), Azevedo diz, lá pelas tantas, que “há mais civilização contida na regência de um verbo do que em qualquer porcaria produzida por utopistas para nos ‘libertar’”.
Entenda-se que Azevedo quer dizer que qualquer coisa produzida por qualquer utopista deve ser considerada uma porcaria. Caso contrário, seu texto não faria sentido, por ser óbvio que qualquer coisa — seja uma regência, uma concordância ou uma colher de pau — deve ser melhor do que uma porcaria. O que não é muito claro é o que Azevedo quer dizer elevando as regências verbais a provas de civilização. Uma hipótese favorável a ele seria considerar que as regências verbais ordenadas pelas gramáticas são apenas indícios de civilização, isto é, não mais que isso. Explico, fazendo ao texto de Azevedo o favor de relacioná-lo aos escritos de Norbert Elias, especialmente a O processo civilizador (Rio, Jorge Zahar Editor): segundo Elias, civilização é algo diferente de cultura, e, no sentido que lhe dá no livro, tem muito a ver com refinamento e boas maneiras.
Ora, até pelos exemplos que seu livro contém, fica muito claro que as regências corretas (se Azevedo estiver falando disso, como acho que está) têm tudo a ver com civilização e nada com cultura. Ou seja, falar corretamente (as regências corretas, por metonímia, significam isso) é apenas civilização. Em outras palavras, essas regras são da ordem da etiqueta. Dizer “acho que...” em vez de “acho de que...” ou “prefiro utopia a conformismo” em vez de “Ainda prefiro Mainardi do que Azevedo” não tem nada de errado em termos de sentido, de pensamento, de clareza, de comunicação etc. Só problema de etiqueta. É como enfiar o dedo no nariz.
O processo civilizador deixa isso muito claro. Regras do tipo “Não te coces com a mão com que pegas também o prato comum de servir” (p. 122) ou “Não se deve beber do prato. Com uma colher é o correto” (p. 96) têm o mesmo estatuto que “na sociedade da corte ninguém diz ‘como bem sabe’, ‘um bocado de vezes’ ou ‘acamado’ (comme bien sçavez, souvents fois, maladi)” (p. 118). Ora, as regências podem ser avaliadas pelos mesmos critérios usados para avaliar qualquer outra expressão em termos de certo e de errado — bem entendido, para a vida “social”. É verdade que só algumas têm esse peso, essa capacidade de separar os educados dos grosseirões. Nunca houve preocupação com a regência incontroversa e uniforme de dezenas de milhares de verbos. Só com a de cerca de três dezenas, exatamente as que distinguem os finos dos broncos. Ou alguém aí já estudou a regência de comer e de beber, ou ouviu alguém errar?
Como disse, estou supondo que Azevedo tem direito a essa interpretação alta. No caso, que ele sabe que usar uma regência em vez de outra é uma questão de finesse (e não de capacidade intelectual, portanto). Digo isso porque, se, diferentemente, o que ele quer dizer com há mais civilização contida na regência de um verbo do que em qualquer porcaria etc. é que devemos defender as regências gramaticais contra as populares (muitas delas certamente capturáveis em falas de petistas, embora não só nas deles), isto é, que devemos manter a boa língua intacta, então ele é apenas pouco letrado — talvez um pouco civilizado, mas pouco culto, nada sábio, desinformado.
Embora empine o queixo para falar de quase tudo (no mesmo número da revista ele escreve uma longa reportagem sobre o Evangelho de Judas e eu já o ouvi falar sobre tudo, como se em tudo fosse especialista, em programas de TV), se estiver falando das regências isso que é comum aos plantonistas, então está apenas mostrando que, quando se trata de língua, no máximo, consulta gramáticas, e lhes confere a capacidade de informar tudo sobre uma língua. Ora, quem sabe o mínimo sobre elas sabe que são exatamente, e apenas, uma espécie de manual de boas maneiras lingüísticas. Isso não é pouco, mas isso é isso!
Fiz um esforço, acima, para atribuir a Azevedo uma leitura alta de certas falas sobre regências. Mas aposto que me equivoquei.
***
Por falar em regências, quero retomar um tema de que falei aqui há algum tempo. Ouvia todos os dias a expressão “na busca pela...”: jornalistas, seus entrevistados, narradores esportivos e políticos, todos diziam na “busca pelo gol”, “na busca pelo sucesso”, “na busca pelo emprego”, “na busca pelo acordo” etc. Escrevi uma coluna sobre isso, mas quero ampliar um pouco a coleta. Num só dia, nos jornais de TV, anotei “aguardar pela liberação”, “procurar pelos desaparecidos” e “buscar pelos parentes”. Além disso, o jornal do dia seguinte (o Estadão!!) dava a seguinte manchete: Hollywood aguarda pela estrela Beckham.
O leitor deve estar estranhando que eu estranhe essa proliferação de “por/pelo” seguindo esses nomes e verbos. Não é que eu reclame, nem que seja contra (logo eu!!!). Mas decidi olhar os dicionários (os dicionários, não, que olhei só um, o Houaiss) e essa regência não se encontra registrada, exceto uma vez, na décima informação sobre “procurar”.
As pessoas de minha idade dizem “aguarda a estrela”, “busca os parentes” e “procura um emprego”. Nada de “por/pelo”. Ou seja: tudo indica que as regências desses verbos mudaram. As “antigas” só estão esperando nossa morte para desaparecer de vez. Não sei de nenhum trabalho que tenha anotado esses dados e certamente os dicionaristas é que não o fizeram. Aliás, vou dar uma olhada em outro: fui. Nada de “por/pelo” no Aurélio: lá os rios buscam/procuram o mar etc.
Muito freqüentemente, os falantes usam variavelmente formas como essas (Azevedo diria que uns erram e outros acertam). Mas, nesses casos, a uniformidade em favor da regência nova é impressionante. Achei que até Azevedo embarcaria, mas nenhuma dessas palavras aparece em seu texto. E não vou procurar possíveis ocorrências em outros textos dele. Afinal, civilizado ele é.
Ou será que nem tanto? Ele pode ser bom em regências e pode ser que colha bons frutos no seu único desafio fascinante de “entender a natureza dos verbos, dos substantivos e dos advérbios” — duvido que faça isso a sério! — mas escorregou, pelo critério de suas civilizadas regras, ao escrever “até consigo antever o crescimento da economia com uns seis meses de antecedência”. Antever com antecedência, pois não. Não adianta: uma hora o guardanapo cai!
Mas há outros problemas no texto que o tornam suspeito do ponto de vista da civilização (ou será da civilidade?). Por exemplo: há um cacófato (eu não ligo, mas ele é civilizado!) em “numa moderna”. Outra coisa: fala de imperativo categórico, com o que dá a entender que conhece Kant, mas escreve: “preservado o princípio de que o partido é o imperativo categórico”... (deve ser Kant de manual, como a gramática pela língua). Ora, imperativo categórico é um tipo de regra, supostamente universal. Uma sentença, portanto, não uma organização (o Google fornece os exemplos kantianos). Isso sem considerar a seguinte pérola: “A evocação da doença como metonímia – a parte que é o todo (sic!) -...”. Ora, metonínia não é a parte que é o todo; nesta direção, é a parte que substitui, que representa (estilisticamente?) o todo (As velas (em vez de Os barcos ou As jangadas) do Mucuripe, vão sair para pescar...”. Chutes, truques, imprecisões.
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