segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

DRÁUZIO VARELA CONTRAI FEBRE AMARELA E DIZ QUE NÃO HÁ MOTIVOS PARA PÂNICO



DRAUZIO - Fui cuidado por médicos da melhor competência, todos
professores da USP, gente com muita experiência. Nenhum deles tinha visto sequer um caso de febre amarela.





É uma situação normal", diz Drauzio Varella

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

De cinco casos de febre amarela notificados pela vigilância sanitária no ano de 2004, três pacientes morreram.


Um dos dois sobreviventes é o cancerologista Drauzio Varella, 64.


Infectado numa viagem à Amazônia dias antes, com vacina vencida havia ao menos duas décadas, o médico diz que a exposição da doença nos meios de comunicação nos últimos dias deve levar a um aumento no número de casos "por que os médicos vão fazer mais diagnósticos."
No livro "O Médico Doente", Drauzio narra a experiência com a doença. Leia abaixo os principais trechos da entrevista, concedida ontem no intervalo de atendimento a pacientes no Hospital Sírio-Libanês.

FOLHA - Dá para falar em surto?
DRAUZIO VARELLA - Acho que não. O que acontece é um fenômeno de imprensa. E isso é clássico na história das epidemias. Toda vez que surge uma, os governos negam. E a imprensa vai atrás, no rastro da doença. Estamos vivendo uma situação normal. As pessoas achavam que a febre amarela havia saído do repertório. E agora volta. Acho importante voltar para que se tenha idéia de que existe.

FOLHA - O senhor não vê esses casos como um alerta?
DRAUZIO - Não vejo mesmo. O problema dessas fases de pânico é que muita gente que não precisa vai tomar a vacina. O sujeito está em São Paulo e vai ao Guarujá e quer se vacinar. Aí cria-se um problema social, engrossam-se as filas. E o sujeito que precisa não vai tomar. Eu acho até que essa preocupação com a febre amarela silvestre vai aumentar o número de casos porque os médicos vão fazer mais o diagnóstico.

FOLHA - Então há subnotificação...
DRAUZIO - Fui cuidado por médicos da melhor competência, todos professores da USP, gente com muita experiência. Nenhum deles tinha visto sequer um caso de febre amarela.

FOLHA - E qual o diagnóstico?
DRAUZIO - Chega alguém com febre alta, é dengue ou passa como outros diagnósticos.

FOLHA - Qual a possibilidade real da urbanização da doença?
DRAUZIO - Sempre existe, porque persistem as condições. A doença não desapareceu.

FOLHA - Não dá para erradicar a febre amarela?
DRAUZIO - É impossível. Só se se puser fogo em todas as florestas, matar todos os macacos.

FOLHA - Qual a gravidade real da doença?
DRAUZIO - É muito grave. A doença se instala abruptamente. Vem do nada. De repente sente-se um frio horrível. E quando se mede a temperatura é febre de 40C.

FOLHA - Qual a dificuldade de achar a cura para febre amarela?
DRAUZIO - É uma doença de pobre, que atinge um número muito pequeno de pessoas.

FOLHA - Achou que fosse morrer?
DRAUZIO - Achei. Não tanto pelo fato de me sentir muito mal. O que me deu a idéia de que iria morrer foram os exames. O fato de ser médico e ver o que estava acontecendo.

FOLHA - Não foi descaso do senhor de não tomar a vacina sabendo que viajava a regiões endêmicas?
DRAUZIO - É a história de não ter mais a preocupação. Ninguém fala em febre amarela.

FOLHA - O senhor é maratonista, tem preparo físico, não fuma. Isso ajudou na recuperação da doença?
DRAUZIO - Sim. Se eu fosse despreparado, obeso, cardíaco, se tivesse um problema de base não teria sobrevivido.

FOLHA - O senhor foi atendido num dos melhores hospitais do Brasil. E ainda assim diz ter sofrido. E um doente numa região pobre?
DRAUZIO - Morre. Morre.

FOLHA - Em seu livro "O médico doente" o senhor relata uma resistência à doença e a ser internado. Como é essa relação ambígua do médico com a doença?
DRAUZIO - Essa relação é horrível. E não sou só eu, não. Isso é geral entre os médicos, que resistem à condição de paciente, a passar para o outro lado.

FOLHA - Mas por que isso?
DRAUZIO - Eu não sei. É o papel que exerci a vida inteira e agora os outros estão nele, e não eu. Mas isso acontece muito com os médicos. Alguns morrem por causa disso. Os problemas mais simples os médicos costumam resolver eles mesmos.

FOLHA - A vacina é um pouco controversa. Desde 1999 quatro pessoas morreram depois da imunização. O risco compensa?
DRAUZIO - Não existe vacina segura. É tudo uma questão de analisar o risco e o benefício. Por isso não tem sentido sair vacinando as pessoas na cidade.

FOLHA - O senhor é contra a vacinação coletiva?
DRAUZIO - Está errado. Não é a medida mais inteligente.

FOLHA - O país deveria criar uma zona de vacinação compulsória?
DRAUZIO - Não sei, do ponto de vista técnico, como se faria isso. Aí entra uma questão de estratégia de saúde pública. Acho complicado fazer isso.

LIVRO - "O Médico Doente", de Drauzio Varella, editora Companhia das Letras; 2007 ; R$ 26

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