sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Enquanto a elite, os meios de comunicação e as novelas olham a periferia como um lugar alheio, moradores-militantes se articulam politicamente e surge um líder.



texto Lina Cavalcante foto Bruno Pavão

Para muitas pessoas, o contato com a pobreza se limita aos encontros com mendigos, empregados ou ladrões. Assim, fica realmente difícil entendê-la. O interessante é que não se trata de compreender uma exceção, pois os excluídos, de fato, são maioria – segundo a ONU, o Brasil tem a terceira maior população de favelados do mundo.

Os motivos do afastamento passam por distância física, falta de percepção, indiferença e pelo desprezo propriamente dito. A maioria dos meios de comunicação não diminui a fronteira, pois freqüentemente a pobreza é associada à violência e a periferia é vista como um lugar perigoso, sujo e cheio de bandidos ou no máximo um atrativo para que pessoas aliviem a consciência mandando entregar qualquer tipo de doação. E, nas novelas, pobres não são retratados, mas reinventados. Tudo indica que o papel de Antônio Fagundes vai esquentar Duas Caras, trama que passa no horário nobre da Rede Globo, com um confl ito entre comunidade e grupo empresarial. Fagundes interpreta Juvenal Antena, fundador e líder comunitário da favela Portelinha, construída num terreno ocupado. Antena sonha com o dia em que aquela se tornará a maior de todas as favelas. “Minha casa, meu reino”, exalta. A declaração destila uma conotação egocêntrica numa luta que deveria ser de muitos. Mas isso deixemos para a telinha. Existe uma outra realidade e para conhecê-la bastam muita boa vontade e algumas conduções.

O Jardim Pantanal é um dos dezessete bairros que ocupam a várzea do rio Tietê e conta com aproximadamente 5.400 famílias. Quem sai do centro de São Paulo há de demorar três horas para chegar lá, se utilizar transporte público. O mais interessante ali é que, mesmo em condições péssimas, existem pessoas organizadas, fazendo um maravilhoso trabalho de articulação política, conscientização e educação. Já estamparam grandes jornais os lixos nas ruas do bairro, as enchentes e a violência, mas ninguém sabe que ali existem, por exemplo, aproximadamente dezoito associações, trinta representantes de rua, pessoas capazes de enfrentar qualquer político com bons argumentos, de discutir sobre variados assuntos – de urbanização a aquecimento global e até mesmo de ir até Brasília lutar contra a reforma da Previdência. Entre elas, uma se destaca.

O líder que o Aguinaldo Silva ainda não mostrou

Ronaldo Delfino de Sousa tem 44 anos e dorme só quatro horas por noite. Isso diz muito. Acordado, ele pode se dedicar ao seu emprego no Instituto Alana – uma organização sem fi ns lucrativos que desenvolve atividades educacionais, culturais e de fomento à articulação social –, a sua militância na coordenação do Movimento de Urbanização e Legalização do Pantanal (MULP), a sua participação no Conselho da APA do rio Tietê e no Coletivo Liberdade Socialista (CLS) e ainda em sua incessante busca por conhecimentos que possam ajudá-lo na luta por melhoria de condições. Além disso, Ronaldo não vê novela.

Quando soube da temática abordada pela trama global, ele pôs logo pé atrás e ao assistir a um capítulo achou razão para sua desconfiança: “Só de ouvir o líder chamar a ocupação de invasão, já percebo que não preciso ver o resto. O personagem de Fagundes é um suposto líder onipotente que usa as mocinhas pra dormir com ele, ignora a violência doméstica e manda as pessoas fazerem fi la pra que ele possa decidir sobre as suas vidas. Será o que a burguesia espera de todas as comunidades, um braço do capitalismo, com muitas igrejas, bares e centros espíritas. Isso é tudo que nós condenamos”. Filho de um sapateiro e uma doméstica, Ronaldo Delfi no nasceu em Paulistana, no Piauí, onde viveu até os 12 anos. Depois morou com a família em Petrolina, PE, até 1984, ano em que saiu de férias para São Paulo e acabou fi cando. A política entrou na sua vida por meio do grêmio estudantil e sua consciência social também veio cedo.


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