Caro leitor:
como você se sentiria se chegasse a sua casa uma conta de Brasília informando que você, como todos os outros brasileiros, precisa pagar sua parte numa despesa de férias de um servidor do governo? A cobrança nunca chegou nem vai chegar de forma explícita, mas é exatamente isso que aconteceu. Ministros e outros altos funcionários do governo FHC foram descansar e se divertir com a família em fins de semana na paradisíaca ilha de Fernando de Noronha, usando de graça aviões da FAB e lançando despesas na conta de Brasília. Tudo por baixo do pano. Ao preencher a declaração de imposto de renda, cada brasileiro teve de desembolsar sua parcela para cobrir essa mordomia oficial. Soube-se que pelo menos seis ministros e dois ex-ministros, além do ENGAVETADOR-geral da República, Geraldo Brindeiro, esticaram até Fernando de Noronha nas asas do pacote gratuito. Como alguns caíram de amores pela ilha, voltaram outras vezes, de modo que as nove autoridades fizeram, pelo menos, dezesseis viagens para lá – sempre com avião oficial e hospedagem gratuita no melhor hotel da ilha, o Hotel de Trânsito, do Ministério da Aeronáutica, um casarão com cinco quartos encarapitado no alto de um morro e de cuja varanda se descortina uma bonita paisagem.
Os ministros na época: Kandir, Paulo Renato, Lampreia e Clóvis Carvalho e o ENGAVETADOR-geral da República, Geraldo Brindeiro: ninguém contou que tomou avião oficial para descansar na ilha de Fernando de Noronha, mas, à medida que as viagens vieram a público, alguns já puseram a mão no bolso para ressarcir o Erário. Brindeiro pagou 18 000 reais e Clóvis Carvalho desembolsou 25.000.
O ministro Padilha, o ex-ministro Gustavo Krause e os ministros Raul Jungmann e José Serra: todos estiveram em Fernando de Noronha, mas cada um deu uma desculpa. Padilha e Serra disseram que foram a trabalho. No fim de semana. Com a patroa. Krause adorou o passeio e recomendou aos colegas. Jungmann assumiu que foi, acha que fez certo e não quis pagar.
O ministro da Casa Civil, Clóvis Carvalho, já viajou a lazer para a ilha quatro vezes nos jatinhos oficiais da FAB. Uma das viagens, realizada no Carnaval , na qual levou a mulher, Gema, os cinco filhos, o namorado de uma filha e a namorada de um filho, ficando por lá uma semana, acabou sendo paga pelo próprio ministro. Ele não pagou pelo passeio. Mas a história acabou saindo na imprensa e o ministro mudou de opinião. Apanhado com a boca na botija, Clóvis Carvalho não teve outro jeito senão fazer um cheque pessoal de 25.000 reais, que foi depositado na conta do governo. Parecia que o problema estava contornado quando se descobriu que o circunspecto Clóvis Carvalho fizera outras três viagens de lazer ao paraíso de Fernando de Noronha – entre janeiro e fevereiro de 1996, 1997 e 1998 –, sobre as quais não deu um pio, mesmo sendo tucano de bico comprido. Para não ter de pagar a conta inteira, que poderia chegar perto dos 100.000 reais, Clóvis Carvalho preferiu silenciar para ver se colava. Não colou. Na semana passada, as três viagens secretas vieram a público.
O ENGAVETADOR-geral da República, Geraldo Brindeiro, cuja função, entre outras coisas, além de engavetar denúncias, era ficar de olho em quem abusava do patrimônio público, também foi à ilha com a mulher e os filhos. Sua visita durou dez dias, e ele pagou por ela quatro meses depois, ocasião em que foi divulgada a história da viagem gratuita de Clóvis Carvalho. Brindeiro desembolsou 18.000 reais, antes que alguém fizesse alguma cobrança. Não satisfeito com o ressarcimento, tornou seu gesto público. Exibiu o recibo de pagamento, fez uma nota à imprensa reconhecendo o erro e, na terça-feira, ainda reuniu um grupo de procuradores para pedir desculpas. Depois descobriu-se que, a exemplo do ministro Clóvis Carvalho, Brindeiro também silenciara sobre duas outras viagens à ilha a bordo de avião da FAB. Aparentemente, o procurador esqueceu essas outras excursões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário