quarta-feira, 14 de maio de 2008

Eron Bezerra*: Índios x Arrozeiros

A demarcação da reserva indígena "Raposa Serra do Sol", após um longo período de "congelamento", reacendeu velhas disputas, expôs tradicionais preconceitos e aos poucos vai fazendo aflorar o que efetivamente está na essência desta aparente radicalidade: a intransigência contra os povos indígenas.


Numa disputa política como esta tudo pode ser questionado, menos o direito a um "pedaço de terra" para os índios. E, lamentavelmente, é esse direito que está sendo questionado. É isso que está na essência de toda essa polêmica. O tamanho da reserva, a forma e a sua respectiva utilização são meros expedientes de retórica.

Por outro lado alguns argumentam que a rigor todas as terras nacionais pertencem aos índios, na medida em que estes eram os seus ocupantes quando aqui chegaram os portugueses, os africanos e os demais povos que, junto com os índios, estão construindo a nação brasileira.

As duas premissas são equivocadas, reacionárias. Não ajudam nesse debate. A terra é um bem natural. É tão essencial para a vida que a rigor não deveria ter proprietários, deveria ser de uso comum a todos que dela necessitam para sobreviver. No tipo de sociedade capitalista em que vivemos, porém, ainda não é possível a celebração desses elevados valores, o que nos obriga a discutir de quem é a propriedade de um bem que deveria ser coletivo.

Isto posto fica evidente que os índios têm direito a terra, não apenas pelo uso original que dela faziam, mas porque dela necessitam para sobreviver. Assim como outros trabalhadores que igualmente tiram da terra o seu sustento. Mas vamos às polêmicas.

O tamanho da área

A maioria dos antropólogos e ativistas dessa frente tende a sustentar que o tamanho da área, geralmente extensa, está associado à necessidade de "perambulação" dos índios em busca de caça e pesca, sua forma tradicional de relação com a terra. Alguns sustentam tais opiniões por defenderem (por ignorância ou má fé) que os índios devem se isolar em sociedades à parte e viverem exclusivamente a base do extrativismo, sem qualquer recurso tecnológico. Imaginam, certamente, que a humanidade estagnou. É como privar uma criança de brincadeiras coletivas para não se contaminar com os "vícios" da sociedade envolvente. É irracional, anti-científico e anti-dialético. Assim, a extensão da área não pode ser uma equação rígida. Não é um tabu. Deve ser considerada em cada caso. No caso específico de Raposa Serra do Sol ela não é nem a menor e muito menos a maior reserva indígena. Figura como a 13ª de uma relação de 14 grandes áreas indígenas. É suplantada pela reserva YANOMAMI (9,7 milhões hectares), VALE DO JAVARI (8,5 milhões de hectares) e ALTO RIO NEGRO (8,0 milhões de hectares), dentre outras, o que evidencia que a histeria não é precisamente pelo tamanho.

Demarcação continua ou em ilhas

A defesa da "continuidade" obedece à idéia de que não se pode separar a população indígena. Novamente é uma questão que precisa ser tratada à luz da realidade, sem regras predeterminadas. Tanto é assim que alguns grupos indígenas de Roraima defendem a demarcação em ilhas. A ponderação feita especialmente pelos militares é de que essas demarcações contínuas podem ensejar numa luta autonomista. A idéia certamente figura os manuais da CIA, mas não encontra eco entre a esmagadora maioria dos povos indígenas. O autonomismo e um eventual separatismo se resolvem com uma presença real do estado brasileiro nestas áreas. Presença essa que hoje, lamentavelmente, se restringe ao exército brasileiro.

Demarcação em áreas de fronteira

A resistência a demarcações em área de fronteira decorre das preocupações anteriormente expostas, especialmente o autonomismo, na medida em que alguns desses povos estão distribuídos em mais de um país. Novamente, repito, a preocupação é real e tem bases objetivas. O "remédio", porem, é desproporcional e pode acentuar ainda mais o antagonismo. Ademais nunca é demais lembrar que no Brasil os índios não têm terra. A terra é da união, com direito ao "usufruto" pelos povos indígenas.

Como se podem ver, embora algumas preocupações sejam legitimas, o que move tanta radicalidade é o preconceito e não a justiça social.

Quanto ao "argumento" de que a demarcação - que, aliás, já ocorreu há bastante tempo - inviabiliza a produção de arroz em Roraima beira ao grotesco. Menos de 1% do território de Roraima cultivado com arroz é suficiente para alimentar toda a sua população, sem considerar que os índios igualmente podem produzir arroz nestas terras.

Quem efetivamente quiser ajudar deve exigir uma presença real do estado nacional, nessas e em outras áreas igualmente conflituosas.

*Eron Bezerra é Engenheiro Agrônomo, Professor da UFAM, Deputado Estadual Licenciado, Secretário de Agricultura do Estado do Amazonas, Membro do CC do PCdoB. O Vermelho na mira dos invasores

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