sexta-feira, 4 de julho de 2008

Ingrid livre num gol de placa da Gestapo colombiana

Álvaro Uribe e seus generais fizeram o contrário dos apelos dos familiares dos cativos, dos governos da Europa e América Latina. Apostaram tudo num lance de alto risco: o resgate militar. Há pontos que não fecham na versão oficial da operação, mas a bola impossível entrou no gol das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Ingrid Betancourt está sã e salva, pelas mãos do Exército. A guerrilha perdeu o timming do processo: podia ter protagonizado a libertação há meses, e sair por cima. Ponto para a narcodireita uribista, e seu aliado-mór George W. Bush, que sugeriu o plano e enviou a Bogotá seu candidato à sucessão, John McCain.

Por Bernardo Joffily

A versão do governo colombiano para o resgate - uma operação de despiste, tendo como ponto de partida a ação de agentes infiltrados no alto comando das Farc - foi posta de quarentena mesmo por analistas que nada têm de anti-uribistas. Muitos suspeitam que o governo tenha, como diria Mané Garrincha, "combinado com os russos", no caso os guerrilheiros, como insinuou o presidente boliviano, Evo Morales, ao saudar a libertação.

Um triunfo estratégico de Uribe

Há bons motivos para se duvidar do testemunho da administração Uribe, como ficou evidente em março, no episódio da execução do porta-voz da guerrilha, Raúl Reyes. Mas é líquido e certo que ela obteve um triunfo estratégico nesta quarta-feira (2). Resgatou Ingrid, e de quebra outros 14 cativos das Farc, inclusive os três americanos (Keith Stansell, Thomas Howen e Marc Consalves, que a guerrilha diz serem agentes da CIA) que formavam o segundo escalão dos mais célebres prisioneiros das Farc.

Conseguiu-o sem disparar um só tiro. E obteve com isso um unânime aplauso internacional, inclusive dos presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia). Não há como não aplaudir o desfecho, sem derramamento de sangue, de um tamanho drama humano.

Resgate facilita manobra do terceiro mandato

O golpe de audácia e de marketing vem a calhar para o presidente. Na metade final do seu segundo mandato, Uribe enfrenta uma crise política grave. Sessenta parlamentares da sua base de apoio estão incriminados num escândalo de corrupção, conexões com o narcotráfico e os paramilitares. Tem um primo e conselheiro político, Mário Uribe, preso pelos mesmos motivos. A corte suprema contesta a legalidade de sua reeleição em 2006, obtida mediante a compra de votos (o esquema assemelha-se ao que permitiu no Brasil a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, com a diferença de que na Colômbia é confirmado pela confissão da ex-parlamentar Ydis Medina). Não possui uma base política sólida e nem um sucessor de confiança, o que o leva à tentação de mudar de novo as regras do jogo e tentar um terceiro mandato.

Tudo isso foi, momentaneamente, ofuscado pela imagem de uma sorridente e grata Ingrid Betancourt apertando as duas mãos de seu libertador, Álvaro Uribe Vélez. O resgate vitorioso facilita a manobra do terceiro mandato, que o oposicionista Pólo Democrático denuncia como um golpe. Também legitima, ao menos na superfície, a intransigência do presidente, que se recusa a negociar com as Farc.

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