Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: "Faz tempo que ela não escreve".
Irei até sua casa e ela não estará.
Imaginarei: está no sítio de Ibiúna,
está numa reunião na cidade Tiradentes, ou
no Rio, com seus netos.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Lindo, não?
Abaixo, o texto original de Manoel Bandeira, em homenagem a Mario de Andrade:
A MÁRIO DE ANDRADE AUSENTE
Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.
*
Do livro “Belo Belo”
Ctrl c +Ctrl V
Nenhum comentário:
Postar um comentário