MST denuncia Estado policial no Sul
Movimentos sociais se queixam de monitoramento da vida de líderes comunitários
PORTO ALEGRE - Representantes de movimentos sociais e sindicais denunciaram, ontem, à Comissão Especial do Conselho de Defesa da Pessoa Humana, órgão ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a criação de um estado policialesco, capaz de monitorar a vida de líderes comunitários, recorrer à tortura psicológica e praticar atos de violência contra manifestantes no Rio Grande do Sul.
As denúncias foram feitas ao longo de três horas por pessoas que sofreram ou testemunharam agressões durante dispersão de protestos e/ou desocupação de terras e de imóveis públicos e privados nos últimos anos. Entre os casos relatados está o da desocupação da Fazenda Tarumã, em Rosário do Sul, em março deste ano, com um saldo de 50 pessoas feridas, e a repressão a um protesto contra o governo de Yeda Crusius (PSDB), com mais de 17 feridos e 17 presos, em junho último. O Comitê Estadual Contra a Tortura também narrou pressões psicológicas, ameaças de agressões sexuais e humilhações praticadas por soldados da Brigada Militar contra sem-terra e suas famílias depois de uma desocupação da Fazenda Coqueiros, em Coqueiros do Sul.
O advogado Leandro Scalabrin, defensor de pessoas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos tribunais do estado, considerou uma Nota de Instrução Operacional emitida pelo comando da Brigada Militar em outubro do ano passado como o "AI (Ato Institucional) 5 do governo Yeda Crusius". Destacou que o documento orienta os comandantes regionais a identificar lideranças comunitárias, sede de entidades, prédios públicos e fazendas, "assim como o Dops fazia, mantendo um cadastro atualizado dos movimentos sociais".
Presente à reunião, o ouvidor agrário da Secretaria da Segurança do Rio Grande do Sul, Adão Paiani, disse que não poderia compactuar com a tese de que existe uma ação monolítica do Governo do Estado para criminalizar o movimento social e pediu aos participantes que encaminhem denúncias dos casos, que considera isolados, para investigação, prometendo que não deixará nenhum sem resposta.
O comandante da Brigada Militar, coronel Paulo Mendes, reagiu afirmando que a reunião da comissão errou de endereço. "Ela deveria ter sido marcada para Canguçu, onde o MST fez uma invasão ontem", ironizou. Segundo Mendes, o MST deve saber que a Brigada Militar não abre mão de evitar badernas, impedir invasões e identificar quem transgredir a lei. "Eles têm que entender que a lei é para todos", reiterou, garantindo que não há monitoramento prévio de líderes comunitários e nem abusos. "Desconheço tortura, isso é choradeira", ressaltou.
A viagem da comissão ao Rio Grande do Sul foi motivada por denúncias de tentativas de criminalização de movimentos sociais. Os militantes de diversas organizações reclamam da postura dura do Governo do Estado, via Brigada Militar, de decisões do Judiciário e de uma ata do Conselho Superior do Ministério Público Estadual que sugeriu ações pela extinção do MST, em dezembro do ano passado.
O documento foi revogado em abril, mas serviu de base para uma série de ações que retiraram os sem-terra de dois terrenos que haviam arrendado em Coqueiros do Sul, vizinhos à Fazenda Coqueiros, ocupados 11 vezes desde 2004, e que proíbem o movimento de marchar e se aproximar de outras três propriedades rurais no interior do estado. Depois de ouvirem as reclamações das entidades, os integrantes da comissão viajam a Passo Fundo hoje para encontros com entidades locais.
Na próxima quinta-feira, visitarão a sede do Ministério Público e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Também tinham encontro com a governadora Yeda Crusius, que cancelou a reunião. O relator da Comissão, Fernando Antônio dos Santos Matos, disse que esta fase é de levantamento de informações. Além do Rio Grande do Sul, serão levantadas situações similares no Rio de Janeiro, em Pernambuco, no Pará e no Espírito Santo e possivelmente em outros Estados. Ao final dos trabalhos, a comissão poderá divulgar um diagnóstico e apresentar sugestões ao Ministério Público e aos três Poderes.
Ocupação
Ontem um grupo com cerca de 150 sem-terra manteve a Fazenda São João da Armada sob ocupação durante oito horas, em Canguçu, no Rio Grande do Sul. Os ocupantes saíram de um acampamento próximo e entraram na propriedade ao amanhecer, anunciando que queriam a desapropriação da área de 1,1 mil hectares, em cumprimento de um acordo que prevê o assentamento de duas mil famílias até o fim deste ano.
No início da tarde de ontem, ao saberem que a Brigada Militar estava preparando um pelotão para a desocupação, os sem-terra optaram pela retirada. "Nosso objetivo não era nem o confronto e nem passar por humilhações, mas mostrar que mantemos o processo de luta pela terra", explicou Leonice Flores, integrante do MST no Rio Grande do Sul.
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