quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Como Reagir ao Atentado Contra a Democracia

Diagnóstico e Estratégias de Luta

Mauro Carrara -Texto publicado em AGOSTO DE 2007

São 21h30 de Sábado, 3 de Agosto de 2.007, quando eu e Otílio nos aproximamos da grande casa na região dos Jardins, em São Paulo. A festa certamente já começou. Somos quase penetras, posto que o único convidado formal é Frederick, um amigo de Otílio. Defronte a casa, há um belo gramado. Lindeira com o átrio, uma via em curva, na qual os convidados são apeados de seus veículos. Tomando bom vinho, varamos para os fundos da mansão. Há uma piscina em forma de coração. Um grande garagem abriga, sob mantas, um Porsche e um Jaguar, que o dono não deve usar com freqüência. Ao fundo, alguns jovens parecem fazer bricolage. Vou ver... Estão produzindo material para a Passeata Anti-Lula, que será realizada no dia seguinte, na Avenida Paulista. Soltam gritinhos numa excitação infantil. Na parede, perto do armário de ferramentas, diviso a imagem de um presidiário, com o conjunto listrado em preto e branco. Ao focar o rosto, percebo que é do presidente da República. Obra de photoshop, preparada pela juventude, serve de alvo para uma brincadeira de dardos. Há uma comoção, de repente. Uma bela e jovem convidada, ainda que equilibrada em longos saltos altos, acerta bem entre os olhos do operário.

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Este é um formidável exemplo do rito de enfrentamento que hoje vivenciamos no Brasil. Nesse momento, como ocorreu na Venezuela, os argumentos não fazem qualquer diferença. Numa euforia quase esportiva, as elites brasileiras começam a se divertir em ser "do contra", em provocar o conflito com aqueles que julgam inferiores e menores.

Na garagem visitada, havia um clima de preparação de torcida organizada. O "outro", certo ou errado, converteu-se apenas em inimigo. Pouco importam suas razões. Lula, no caso, é o "elemento" a ser abatido. A nobreza vem, há séculos, divertindo-se com a caça à raposa. Nos verdes campos britânicos, por exemplo, é motivo de júbilo cravar um projétil no dorso do bicho. E ninguém se pergunta se ele merece, de fato, o suplício.

No festivo à democracia, os detentores do poder econômico importam charmes desse assassinato por entretenimento. Os aristocratas soltam antes os cães para perseguir e exaurir a presa. No Brasil de 2.007, há muitos deles, ofegantes, caninamente devotados a servir seus mestres. Sem muito pensar, lembro-me de alguns membros dedicados da matilha, como Miriam Leitão, Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Merval Pereira, dispostos a afundar patas na lama para cumprir a missão que lhes foi designada.

Ressalte-se que para o ente canino salivante inexiste a lógica, a dialética e a razão. Essas "imposturas" de Sócrates, Aristóteles, Descartes, Leibniz, Hegel e de outros tantos metidos a pensar e debater não lhes faz sentido. Quem assiste a Os Simpsons sabe do que falo. As frase de Bart chegam ao cérebro de seu mascote como longas seqüências de "blá-blá-blá". No caso da relação entre mídia e política, ocorre o mesmo. Os jornalisteiros dão a mínima para os fatos. Trocam turnos para morder a canela daquele que lhes foi apontado como a vítima da vez.

Tal qual a Venezuela, a mídia se tornou um instrumento, certamente o principal, de uma guerra política sem escrúpulos. Desapareceu qualquer pudor no trato da notícia, qualquer traço de interesse na utópia da imparcialidade. Pinça-se o que é negativo. Se não há, cria-se, deforma-se o existente, conforme se comprovou na cobertura criminosa e oportunista do acidente com o Airbus da TAM.

Na festança dos Jardins, vi de longe Otílio esboçar uma argumentação... Lula desonerou os preços do arroz e do feijão, diminuiu tremendamente a desigualdade social, transferiu renda, além de botar gente simples na universidade, oferecer tratamento odontológico gratuito aos menos favorecidos e prover luz elétrica para os rincões.

Como era de se prever, para a vitaminada juventude dos dardos, tudo isso é um absurdo, "coisa de um tirano demagogo", conforme disse uma estudante de jornalismo da Unip. Segundo outro rapaz, acadêmico de direito da PUC, tudo isso é parte de um "sistema-esmola", que tira recursos de "obras realmente importantes para modernizar o País". Uma de suas colegas acredita que as universidades se tornaram "perigosas" depois que o Prouni as "encheu de favelados" e "pardos". Ela também acredita que o programa de atenção bucal é um "crime", por tirar clientes dos dentistas brasileiros.

Tenho pena de Otílio, um velho de quase setenta anos que ainda se mete a brincar de amarelinha. Até os entes do reino mineral, como diz Mino, sabem que nessa fase do combate desaparece qualquer oportunidade de consenso. A informação é deformada diariamente, gerando um molde de reação cognitiva a tudo que ocorre. De alguma forma, tudo que provém do governo federal é "ruim" e "danoso". O encaixotamento mental alia-se a um processo de manipulação de emoções, gerando manifestações genuínas de ódio.

Os jovens da mansão nos Jardins me parecem autenticamente incomodados com Lula. Adestrados dia-a-dia, na TV, nos jornalões e, principalmente na Internet, estão certos de que o presidente é a razão de todos os males nacionais.

Como ainda faltam três anos e meio para o fim do mandato presidencial, é de se esperar que os atos de sabotagem informativa se multipliquem. Todos os dias, a Folha, o Estadão, o Jornal do Brasil, o Globo, a Globo, a Editora Abril e os outros órgãos de imprensa subsidiários tratarão de criar e reinventar crises, exagerando, distorcendo e comovendo.

Um exemplo da manipulação descarada está nos números da passeata anti-Lula em São Paulo. Não havia mais que 2 mil pessoas. Os jornais, entretanto, chegaram a falar em 12 mil presentes.

Aos barões da mídia não se conformam com o fato de que o operário pernambucano venha fazendo um governo que, em qualidade, excede tremendamente ao do professor catedrático. Não sei se a esquerda aprendeu, de fato, com a história. Creio que se atrasa na resposta e a democracia brasileira corre perigo. Tudo que eles desejam é nossa imobilidade deslumbrada.

Há determinados setores na esquerda que pensam equivocadamente, acreditando que a retranca nos protegerá para sempre. Pregam: "não façamos marola". Estão errados, pois estamos perdendo nacos importantes da opinião pública, especialmente nos estratos médios. Dessa forma, a quem se dispuser a resistir, humildemente recomendo:

1) Aproveitar todas as brechas comunicativas, como os chats, comunidades de Orkut e listas de e-mails para divulgar os fatos verdadeiros e denunciar os golpistas, de D'Urso a Zottolo, de Dória Poodle a Burti, de Civita a Mesquita, de FHC a José Serra;

2) Participar dessa guerrilha comunicativa sem perder tempo em tentar convencer os soldados da direita, mas trabalhando no esclarecimento diário e contínuo de amigos, familiares, conhecidos, clientes, alunos, isto é, da enorme massa de "indecisos";

3) Tomar parte ativa em eventuais MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS, com cartazes e faixas que mostrem, em frases curtas, as virtudes do governo democrático e as ameaças representadas pelo movimento golpista.

4) Escrever diariamente para os jornais, protestando contra a manipulação da notícia. E-mails também devem ser enviados DIARIAMENTE para empresas (como a Philips) e entidades (como a OAB-SP) que participam da ação golpista.

5) Acreditar! Mostrar que não é possível ser feliz sozinho.

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