segunda-feira, 9 de março de 2009

Pedro do Couto - Jornal Tribuna da Imprensa

Dom José Cardoso, um arcebispo medieval

Poucas pessoas ao longo da história terão conseguido fazer afirmações tão absurdas em tão pouco tempo quanto o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, ao anunciar a excomunhão da mãe da menina de nove anos, estuprada pelo padrasto, e dos médicos que, absolutamente dentro da lei, praticaram o aborto legal e indispensável. A gravidez extremamente precoce colocava em risco a vida da menina. Ela e sua mãe foram vítimas de um crime hediondo.

Para início de conversa, uma frase definitiva: não se pode em Direito algum, inclusive no Canônico, transformar-se a vítima em culpado. Não faz sentido. Não possui a menor lógica ou legitimidade. Dom José Cardoso Sobrinho retornou ao passado trágico da inquisição fazendo a Igreja Católica retornar à idade média que durou de 1200 a 1500 com a Renascença, cujas maiores figuras foram Leonardo Da Vinci e Michelangelo.

Afirmou ele que a lei de Deus está acima da lei humana. Absurdo, pois se Deus é o criador do universo, a lei humana pertence a esta criação. Isso de um lado. De outro, toda criação passará eternamente por processos evolutivos. Este é o destino da espécie humana, seu rumo, seu objetivo. Mas a contradição não termina aí. Com sua frase, colocou-se de forma egoísta como o intérprete insuperável da lei de Deus, à qual recorre.

Dom José foi além. Fez a afirmação despropositada que o aborto é pior do que o estupro. Aí chocou-se com a legislação brasileira, unindo Igreja Católica e Estado, o que foi distinguido na primeira Constituição Republicana de 1891. Assim agindo, lançou também a fé católica a um patamar acima da escala das demais religiões. Não tinha esse direito.

Nem de se intrometer no que o Estado determina, tampouco de projetar sua fé acima do credo religioso dos outros. Além disso, recorreu a Hitler sustentando que os acusadores históricos de seus crimes, inclusive o holocausto judaico, esquecem de um holocausto semelhante causado pelos abortos feitos anualmente no mundo. Neste ponto ele se afastou totalmente da lógica. A começar por um ponto colocado por Elena, minha mulher, do qual estou totalmente de acordo.

Uma simples pergunta: o Vaticano excomungou Hitler? Os líderes nazistas ou fascistas? E aparece um arcebispo para excomungar a mãe e os médicos de uma menina violentada, caso singular, pois estava grávida de gêmeos ainda na infância. Excomunhão num caso assim? É demais. Agride a consciência humana, revolta praticamente toda a sociedade, não apenas a brasileira, mas a mundial.

A Igreja Católica, nos últimos anos, a começar pela Arquidiocese de Boston, foi atingida por casos de pedofilia. Os autores foram excomungados? Agora, tampouco o estuprador o foi. A mãe da menina, por ter autorizado a interrupção, sim, os médicos idem. Francamente não faz sentido. Dom José Cardoso voltou ao passado. Retornou às trevas da intolerância. Um desastre para todos de modo geral. E para o Vaticano em particular.

Nenhum comentário:

Marcadores