terça-feira, 19 de maio de 2009

Advogado do Grupo Camargo Corrêa é casado com desembargadora que concedeu HABEAS CORPUS aos diretores presos na operação castelo de areia




A desembargadora Cecília Mello, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, é casada com o advogado Celso Cintra Mori, sócio gestor do escritório Pinheiro Neto e profissional atuante na vida das empresas do Grupo Camargo Corrêa em vários momentos. Cecília Mello é justamente a desembargadora que concedeu habeas corpus aos diretores da holding na Operação Castelo de Areia, que investiga crimes financeiros e lavagem de dinheiro. A proximidade dos dois configura uma situação certamente constrangedora.

Em entrevista a Terra Magazine, a desembargadora negou qualquer impedimento sobre a Operação Castelo de Areia:

- Eles não são advogados da construtora Camargo Corrêa, da holding Camargo Corrêa. Nem em outros casos. Eles só são advogados da Alpargatas. Pelo menos foi essa a informação que me passaram.


A seguir, os fatos apurados sobre a relação.

O escritório de advocacia de Celso Mori defende empresas da holding Camargo Corrêa regularmente em processos no Supremo Tribunal Federal (STF), no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no Tribunal de Justiça de São Paulo e Rio de Janeiro e no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Terra Magazine checou processos protocolados nessas instâncias da Justiça e apurou que existem diversas ações do Grupo Carmargo Corrêa patrocinadas pelo escritório Pinheiro Neto nos últimos cinco anos. Sobretudo, na área civil, tributária e comercial - o foco do escritório.



Em três documentos, por exemplo, Celso Cintra Mori é citado nominalmente à frente de processos administrativos do grupo. Num deles, o advogado foi secretário da mesa de uma assembléia de acionistas da Santista Têxtil S.A em 2004, da holding. Em outro, Mori aparece como representante legal da São Paulo Alpargatas - também do grupo - na defesa de um ato de concentração no Cade. No terceiro, Mori também é citado como secretário da mesa de uma assembléia da Alpargatas em 2005, inclusive ao lado do conselheiro fiscal Fernando Dias Gomes, preso na Operação Castelo de Areia.

Na decisão do juiz federal Fausto De Sanctis, foi pedida a prisão preventiva de quatro diretores e duas secretárias da Camargo Corrêa e também o doleiro Kurt Paul Pickel. Dentre os diretores com pedido de prisão autorizado, estava Fernando Dias Gomes.

A investigação da Polícia Federal apurou que Kurt Paul se ligaria a diretores da Camargo Corrêa, dentre eles, Pietro Francesco Giavini Bianchi e Fernando Dias Gomes. Como cita o trecho do relatório policial:

- Apuraram-se diversas conversas em que teriam sido mencionadas as prováveis operações financeiras ilegais que supostamente estariam consubstanciadas no "esquema" arquitetado para a "evasão de divisas" e eventual "lavagem" de valores em prol da Camargo Corrêa ou de seus diretores, tudo, à princípio, através da intermediação de KURT PAUL PICKEL, juntamente com PIETRO, DÁCIO E FERNANDO e as secretárias MARISA e DARCY.

***

Detalhes de três documentos mostram a atuação de Mori junto às empresas do Grupo Camargo Corrêa...

Em assembléia da Santista Têxtil S.A. de 2004, como indica documento registrado na Junta Comercial, o advogado Celso Mori é componente da mesa:

- COMPOSIÇÃO DA MESA:
Presidente: SR. FERNANDO TIGRE DE BARROS RODRIGUES e
Secretário: DR. CELSO CINTRA MORI.

Segundo a ata da assembléia de 2004 foram apresentados: Relatório da Administração, Destinação dos Lucros, Orçamento de capital para o ano seguinte, Remuneração dos Membros da administração da Companhia e A Eleição de Membros do Conselho Fiscal.

O segundo documento analisado por Terra Magazine está anexado no processo do ato de concentração 08012.013067/2007-61 no Cade sobre a compra da Alpargatas Argentina pela companhia do grupo no Brasil. Mori é citado nominalmente como advogado que defendeu a fusão. Em 24 de setembro de 2007, foi assinada inclusive uma procuração em que Celso Cintra Mori aparece, ao lado de 11 advogados, como representante legal da empresa junto ao Cade.

- Pelo presente instrumento particular, São Paulo Alpargatas S.A., (...) nomeia e constitui seus bastantes procuradores, em conjunto ou separadamente, os Srs. CELSO CINTRA MORI, (...) integrantes de Pinheiro Neto Advogados, outorgando-lhe os poderes (...) para transigir, desistir, receber, dar quitação e firmar compromisso (...) perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)...

O terceiro documento analisado é a ata da assembléia da Apargatas S.A. do dia 1 de abril de 2005, quando Mori foi secretário ao lado do conselheiro fiscal Fernando Dias Gomes, preso na operação. Gomes continuaria em atividade como conselheiro fiscal, como indica outra ata da Alpargatas do dia 15 de abril 2008, momento em que a investigação da Polícia Federal sobre os crimes financeiros já estava em curso.


Há outro caso importante nessa relação. É também sócio do Pinheiro Neto o advogado Marcelo Alfredo Bernardes, que em 2008 defendeu no Supremo Tribunal Federal a União Federal e Concessionária da Rodovia Presidente Dutra S/A, da qual Pietro Bianchi é sócio. Pietro é outro acusado na Operação Castelo de Areia da Polícia Federal.

Não somente nesta ação atua Marcelo Bernardes em favor da Camargo Corrêa. Há ações com registros no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Todos em prol da holding. Na prática, o laço conjugal e a atuação de Celso Mori em ações ligadas à Camargo Corrêa poderiam originar uma representação sobre uma possível parcialidade da juíza para analisar os recursos da investigação sobre a Camargo Corrêa. Contudo, ainda não há qualquer representação formal sobre uma possível "exceção de suspeição" da desembargadora - este, o termo jurídico para descrever situações em que magistrados são retirados de processos por algum vínculo com as partes envolvidas.

No dia 28 de março, a desembargadora concedeu liminar com habeas corpus para os diretores presos, além de criticar a decisão do juiz Fausto De Sanctis da 6ª Vara Criminal Federal:

- A fundamentação baseia-se em indícios de materialidade. Não há um momento sequer que, em seu vasto arrazoado, a autoridade impetrada aponte com firmeza e objetividade a materialidade dos delitos.

Em entrevista a Terra Magazine, a desembargadora Cecília Mello defende sua posição e não se considera impedida para atuar no caso:

- Quando esse caso da Operação Castelo de Areia foi distribuído pra mim, a primeira coisa que fui ver era se eles advogavam para a Camargo Corrêa, como é feito de costume. Eu não sou bidu. O escritório dele (Celso Cintra Mori) é imenso. Quando o processo entra no tribunal, e caso qualquer advogado do escritório de meu marido esteja atuando nele, já aparece de imediato o meu impedimento.

E, para justificar sua posição, afirma:

- Eles não são advogados da construtora Camargo Corrêa da holding Camargo Corrêa. Nem em outros casos. Eles só são advogados da Alpargatas. Pelo menos foi essa a informação que me passaram. E o caso que julguei não tem nada a ver com a Alpargatas. O impedimento legal só aconteceria se eles fossem advogados no processo que eu julguei.

O advogado Celso Mori está internado e não pode conceder entrevista. O sócio gestor do escritório Alexandre Bertoldi entrou em contato para dar a versão do escritório:

- A gente trabalha muito para Alpargatas, que é controlada pela Camargo Corrêa. Tem outra coisa: nesse caso, um dos diretores jurídicos da Camargo, Bruno Machado Ferla, não foi indiciado e trabalhou aqui conosco (no Pinheiro Neto) por 11 ou 12 anos. Isto poderia ser um caso de suspeição se a Cecília (Mello) o conhecesse, ou fosse próxima.

E Bertoldi conclui:

- Nesse caso, a (desembargadora) Cecília (Mello) achou que realmente não comprometeria. Afinal, Celso Mori não é o advogado principal da Camargo Corrêa.

A Procuradoria Regional da República, instância que julgaria recursos sobre o caso, disse por meio da assessoria de imprensa que não há representação formal sobre o trabalho da desembargadora. E que iria se pronunciar somente após a publicação da reportagem de Terra Magazine.

Terra Magazine

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