terça-feira, 26 de maio de 2009

AUGUSTO NUNES


Ministro Marco Aurélio de Melo, aquele que soltou CACCIOLA, misericordioso com crimes hediondos mantém na cadeia condenada por furto de chiclete

Em ação no Supremo Tribunal Federal desde o governo do presidente Fernando Collor, o ministro Marco Aurélio Mello interpreta alternadamente, com a mesma aplicação, dois papéis antagônicos: o xerife durão, que faria bonito em qualquer faroeste classe B, e o magistrado mais compassivo que santo de sermão. É um tipo de ciclotimia sem prazo fixo, e portanto só se pode identificar o personagem sob a toga quando o artista já está em cena. Poucos previram, por exemplo, que Marco Aurélio concederia a Salvatore Cacciola aquele habeas corpus que o pecador de carteirinha transformou em vale-viagem. Até as birutas dos aeroportos sabiam que, recuperado o direito de ir e vir, Cacciola iria para a sala de embarque e não viria mais. O ministro misericordioso acreditou que o réu renunciaria aos passeios de lambreta em Roma para passear com uniforme de preso no pátio da cadeia.
Em outra atitude considerada polêmica, Marco Aurélio de Mello foi o único ministro a votar a favor de conceder ordem de hábeas corpus a Suzane Louise von Richthofen[2], jovem de classe média-alta paulista que foi julgada e considerada culpada pelas mortes dos próprios pais.

Em 2007 quando foi responsável por conceder dois habeas corpus a Antônio Petrus Kalil - o Turcão - acusado de explorar caça-níqueis. O mesmo havia sido preso pela Polícia Federal por duas vezes. Turcão foi preso pela terceira vez em 29 de novembro de 2007 pelo mesmo delito. E em dezembro de 2008 foi o único ministro a não receber as denúncias para a investigação criminal do seus conterrâneos envolvidos nos esquema de corrupção da chamada máfia dos caça-niqueis. Segundo ele não há evidência alguma que justifique a investigação. O STF aceitou a denúncia do MP e investigar os membros do judiciário que estão envolvidos no escândalo e afastaram o desembargador Paulo Medina de suas funções públicas.


Neste 20 de maio, quem apareceu no STF foi o homem-da-lei implacável. Sobrou para uma mulher condenada a dois anos de prisão pelo furto de caixas de chiclete que, em 2007, somavam R$ 98,80. Marco Aurélio caprichou no despacho. Primeiro, admitiu que o prejuízo causado pelo crime ocorrido na cidade mineira de Sete Lagoas, é de pequeno valor. “No entanto”, mudou de rumo, “não se tratou de furto famélico”. (Em língua de gente: como não se come chiclete, a mulher não roubou alimentos para matar a fome. Não cometeu, portanto, o que em juridiquês castiço é chamado de “furto famélico”). Minucioso, o ministro também registrou que a ré já foi condenada por delitos semelhantes.

Castigada em 1ª instância, a mulher recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que concordou em reduzir a pena para um ano e três meses, mas rejeitou o “argumento de insignificância” para anular a condenação. (Em lingua de gente: para os padrões brasileiros, aquilo era nada. Os desembargadores discordam). O Superior Tribunal de Justiça avalizou a opinião do TJ e a história pousou no STF. Até que a corte marque a data para o julgamento em definitivo, a protagonista do caso do chiclete ficará na cadeia. Assim decidiu Marco Aurélio.

Se tal rigor se estendesse a todos, nada a objetar. Se o ministro agisse com coerência, nenhum reparo a fazer. Ocorre que, como lembrou em três comentários o leitor Luiz Carlos, foi Marco Aurélio Mello o responsável pela concessão do tristemente histórico habeas corpus que, em 2006, violentou a Constituição e antecipou o carnaval na ala da turma dos crimes hediondos. Desde 1988, vogorou o trecho do artigo 5° segundo o qual “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (…) … os definidos como hediondos (…)”. Em 1990, o Congresso definiu essa espécie de crime e resolveu que a pena imposta aos condenados será cumprida em regime fechado. As coisas mudaram dramaticamente depois da sessão de 22 de fevereiro de 2006.

Por 6 votos a 5, o STF aprovou a decisão solitária de Marco Aurélio que concedeu o habeas corpus reivindicado por um condenado a 18 anos de reclusão pela autoria de crime hediondo. Depois de uma complicada discurseira sobre “direito à individualização da pena”, “particularidades de cada pessoa”, “capacidade de reintegração social” e “esforços aplicados com vistas à ressocialização”, o juiz piedoso declarou a Constituição inconstitucional e mandou soltar o criminoso.

Ele ficou dois anos na cadeia. Pouco mais do que ficará a mulher que furtou chiclete.

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