Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2009
A VEJA já viu o conflito como uma guerra entre duas tevês. Agora, entrou na tropa de choque contra a Record
"O senhor contribui, do ponto de vista financeiro, com a Igreja?
Sim, faço algumas doações.
Desde quando?
Desde a época em que frequento a Igreja Renascer, ou seja desde meus 12 anos".
Kaká, atleta da seleção brasileira de futebol, atualmente no Real Madri, em depoimento à Polícia Tributária da Itália.
Pois eu vejo com reservas essas matérias orquestradas contra a Igreja Universal do Reio de Deus, que visam atingir a Rede Record de Televisão. Essa reserva decorre especialmente da confluência de veículos da grande mídia, os mesmos que, em passado não muito remoto, condenaram Leonel Brizola à morte, levando muitos brasileiros a acreditarem que o caudilho nacionalista tinha relação direta com o "Comando Vermelho" e com o tráfico em geral.
Não me cabe aqui, nessa avaliação necessária, discutir as práticas das igrejas em geral, sem exceção, que vivem essencialmente dos donativos recolhidos entre seus fiéis. Em todas as situações, em todos os altares, fiéis contribuíram sob impulsos da fé que os embala, muitas vezes em ambiente de êxtase.
Com mais ou com menos, independente do clima criado, essas contribuições ocorrem em caráter voluntário. No caso da Igreja Universal, o noticiário hostil sobre a destinação dos recursos é um assunto recorrente, como virou moda falar.
A igreja do bispo Macedo foi repetidas vezes estigmatizada com a espetacularização de notícias negativas a seu respeito. E, no entanto, continua crescendo, ampliando sua influência para além de nossas fronteiras, incluindo em seu mapa dezenas de países da África pobre e submetida a séculos de impiedoso colonialismo.
Crescimento dos pentecostais
Como a Universal, dezenas de igrejas evangélicas, particularmente as "pentecostais" observam um crescimento que deveria ser objeto de um exame mais aprofundado dos estudiosos no comportamento humano. Ele acontece na proporção inversa da Igreja Católica Apostólica Romana que mantém sua supremacia numérica, mas de conteúdo inercial.
Não estamos diante de nenhuma novidade com essas matérias que ganharam maior ênfase em função das recentes denúncias do Ministério Público de São Paulo, com um novo condimento. Agora, se questiona ; a suposta utilização de doações dos fiéis em proveito da Rede Record de Televisão, como reação ao seu crescimento, que se deu principalmente pela opção de sua direção de abstrair em sua programação e até mesmo em sua linha editorial a relação direta com seus proprietários.
A Igreja Universal é acusada de usar dinheiro dos fiéis na consolidação da Record. Se não há nenhum dispositivo legal, em nenhum código, em nenhuma lei específica, não há do que se acusar os seus bispos com relação ao destino do dinheiro arrecadado.
Há então a questão ética. Nesse aspecto, tenho também minhas dúvidas. A coisa mais comum é ver nas estações de televisão e rádio a repetição de apelos aos fiéis para que ajudem a manter os programas religiosos, onde são transmitidos cultos e pregações de grande impacto psicológico. Alguns programas chegam a publicar as contas bancárias das igrejas a serem beneficiadas com as doações.
As contribuições compulsórias que não questionam
Insisto em que não me cabe fazer juízo de valores sobre uma prática que é da relação entre a instituição religiosa e seus adeptos. As igrejas evangélicas foram sendo implantadas no Brasil ao longo dos últimos 120 anos com sua linguagem pastoral diferente da Igreja Católica Apostólica e Romana.
Esta teve sua presença associada à colonização e foi parte do poder. Mesmo com a separação, formulada na constituição republicana, ficou senhora de muitas terras e de muitas propriedades. Desfruta ainda de um entulho colonial - o laudêmio, uma taxa que garante arrecadação compulsória (e não voluntária) em milhares de logradouros do país.
Imóveis do centro do Rio de Janeiro são obrigados a recolher para ordens religiosas 5% do valor de suas vendas a cada mudança de dono. Além disso, pagam um foro anual. Em Niterói, praticamente metade da cidade é devedora dessa taxa a ordens religiosas católicas. Estudos que tenho feito sobre esse "tributo" formalizado por lei de Dom Pedro I em 1830 mostram que a Igreja Católica detém 60% das áreas aforadas, isto é, mais do que as áreas de marinha.
Em nenhum momento essa grande mídia deu atenção à contabilidade das cúrias católicas. Nem mesmo recentemente, quando uma investigação realizada na Arquidiocese do Rio de Janeiro, divulgadas oficialmente por seus prelados, indicou a existência de desvios de dinheiro e abuso na gestão do cardeal Eusébio Oscar Scheid, para quem a Cúria comprou um apartamento de R$ 2 milhões no luxuoso bairro da Lagoa.
Temos aí, num raciocínio sereno, que a simples condenação da relação da Igreja Universal, com um total superior a 8 milhões de crentes, espalhados por 112 países do mundo, é um jogo de cartas marcadas, reeditado de quando em vez numa sequência tão direcionada que tem provocado a indignação de outras denominações evangélicas, como a Assembléia de Deus, de 30 milhões de adeptos, cujo líder, pasto r "Dr Omar" tem feito pronunciamentos seguidos em solidariedade ao bispo Macedo.
O alvo é o crescimento da Record
Neste exato momento, o verdadeiro alvo não é a Igreja Universal do Reino de Deus, mas a Rede Record, o sistema de comunicação que já abala o monopólio midiático que cresceu à sombra e com as bênçãos da ditadura e dos interesses econômicos internacionais.
A nós outros, que não temos envolvimento direto nesse conflito, cabe assumir uma posição que seja melhor para o Brasil e para o povo brasileiro. Se entendemos que o móvel da campanha é o crescimento de uma concorrente que tira o sono da "grande líder", da rede que faz e desfaz presidentes (vide caso Collor), que dita hábitos e exerce uma influência desmedida, numa hora em que poderosos ícones da mídia experimentam declínio, cabe-nos adotar um afastamento crítico para não nos deixarmos servir de buchas de canhão.
Curiosamente, rep ito, sucesso da Record decorre da visão empresarial dos seus titulares, que conservam uma postura laica em sua programação, destinando horários na madrugada a programas religiosos. Nisso, observe-se, a Record é muito menos usada pelos cultos religiosos do que outras duas cadeias de tv aberta - a CNT e a Rede TV.
O que mais incomoda nessa competição é o padrão salarial da emissora. Além de dar todo apoio a seus profissionais, A Record acabou com o mito de que só a Globo poderia oferecer bons salários ao seu pessoal. A média salarial e a valorização dos seus empregados são vistos como referências, que pesam na produtividade de suas emissoras.
O resultado dessa relação se reflete no sucesso político do apresentador Wagner Montes, eleito deputado estadual pelo PDT com mais de 100 mil sufrágios, que registra empate com o governador Sérgio Cabral nas pesquisas de intenção de votos para governador. Caso prefira continuar deputado, o IBPS prevê que ele passará dos 300 mil votos, tudo por conta de sua audiência na televisão.
Pitadas de intolerância religiosa
Eu diria que as investidas contra os cultos pentecostais revelam conteúdos de intolerância religiosa. Alguém já foi ver como é a relação das sinagogas com os judeus? Tocar nelas ninguém se arrisca, por todos os motivos e até porque a hermenêutica pode vislumbrar racismo em qualquer coisa que afete a comunidade judaica.
Pelo que tenho observado, aos longo dos seus 32 anos, a organização do bispo Macedo optou por uma espécie de "profissionalização" da estrutura administrativa. Ao invés da destinação empírica, voluntarista e sem planejamento, a arrecadação junto aos fiéis, inclusive segmentos de empresários, passou a suprir um verdadeiro banco que, por sua vez, repassa os recursos dentro de uma estratégia que permite a exposição do seu retorno como ingrediente de auto-estema e compensação para sua grei.
Os templos re vestidos de mármore e granito produzem um certo efeito sobre a comunidade e operam psicologicamente em áreas de baixa renda, onde, ao contrário do que somos informados, a Universal se dedica a um amplo programa de assistência social e a um trabalho de recuperação dos foras da lei.
O Estado brasileiro felizmente é laico, apesar dos acordos do presidente Lula com o Vaticano, denunciados em matéria paga por uma Loja Maçônica do Rio de Janeiro. Laico e aberto a todo tipo de culto, com suas singularidades. Assegura, inclusive, o direito de não ter religião nenhuma, opção que se amplia a cada censo do IBGE.
A criminalização, com exclusividade, das atividades da Igreja Universal por práticas comuns, com todo respeito que merece o Ministério Público, carece de fundamentos legais primários.
É uma pena que muitos de nós, incompetentes no nosso proselitismo político e no nosso relacionamento social, cedamos com facilidade à tentação de fazer de uma igreja evangélica surrado bo de expiatório, objeto de nosso rigor crítico mal resolvido. É uma lástima que muitos embarquem na penalização personificada de quem cresceu no preenchimento de um grande vazio existencial e percam de vista os elementos essenciais da sociedade humana.
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