segunda-feira, 19 de outubro de 2009

REPRESENTANTE DO BRASIL NA OEA CONTESTA OPINIÃO EXPRESSA no blog de reinaldo azevedo (MINÚSCULA)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009 | 17:28

Ruy Casaes, representante permanente do Brasil junto à Organização dos Estados Americanos. contesta texto escrito no dia 27 de setembro chamado UMA FORMIDÁVEL COLEÇÃO DE ASNEIRAS. Segue na íntegra a mensagem.

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Prezado Reinaldo Azevedo,

li com interesse sua matéria “Uma formidável coleção de asneiras”, que verifico, lamentavelmente, não refletir com exatidão os comentários que fizera ao jornalista Gustavo Chacra, do Estadão. Confesso que não li a matéria publicada no Estadão. Li, sim, em sua coluna algumas afirmações minhas, que foram transcritas, definitivamente, fora de contexto. Para sua informação - e eventualmente de seus leitores -, procurarei repetir o que disse e que tenho dito sobre o golpe de estado em Honduras.

Sobre a Constituição hondurenha e as Constituições brasileira e colombiana
Ao comparar as três Constituições, procurei mostrar ao jornalista do Estadão que não é usual que os dispositivos relativos ao mandato presidencial se constituam em cláusulas pétreas. No Brasil como na Colômbia, as Constituições adotadas, respectivamente, em 1988 e 1991, não previam a possibilidade de reeleição. No Brasil, não poderia ser imediata; na Colômbia, jamais. As circunstâncias políticas, entretanto, ensejaram emendas constitucionais em um e em outro país que passaram a permitir a reeleição do Presidente da República (no Brasil, inclusive, para outros cargos nos Poderes Executivos Estadual e Municipal). Mencionei a título de exemplo fora do continente americano mudança na duração do mandato presidencial francês, que passou, há relativamente pouco tempo, de 7 para 6 anos. Em nenhum momento, disse que o artigo da Constituição hondurenha que trata da matéria não fosse uma cláusula pétrea. Disse, sim, que, habitualmente, as cláusulas constitucionais pétreas tratam de princípios e valores. Quanto à figura da reeleição, as mudanças nas Constituições brasileira e colombiana não são exemplos únicos.

Sobre o “tempo para instituir a possibilidade de um novo mandato”
Mais uma vez seus comentários não refletem absolutamente o que disse ao jornalista do Estadão. Visivelmente estão fora de contexto. O que realmente afirmei foi que a alegação de que, ao propor uma consulta popular, o Presidente Zelaya queria reeleger-se, era falsa na medida em que, se houvesse uma “quarta urna” (lembro a respeito que o que o Presidente pretendia era fazer uma consulta de caráter não vinculante no dia 28 de junho, justamente o dia em que foi deposto), esta se daria no mesmo momento em que um novo presidente estaria sendo eleito. Assim, os meus comentários ao jornalista do Estadão indicavam a impossibilidade material de que o Presidente Zelaya fosse reeleito, ademais porque nem candidato era. Seus comentários a respeito de minhas palavras sobre este ponto não traduzem, portanto, aquilo que efetivamente disse.

Sobre a deposição do Presidente de Honduras
As questões internas de Honduras dizem respeito exclusivamente ao povo hondurenho. Este princípio está recolhido tanto na Constituição brasileira (Artigo 4, inciso IV), quanto na Carta da Organização dos Estados Americanos (Artigo 3, alínea e), que consagram, como tantas outras cartas constitutivas, o princípio de não-ingerência nos assuntos internos dos Estados. O que justificou a participação da OEA e da comunidade interamericana foi ter Honduras descumprido a Carta Democrática Interamericana, que foi concebida para promover e defender a ordem constitucional nos seus Estados membros. Não há dúvida de que o que ocorreu em Honduras foi um golpe de estado. Assim o disseram a comunidade interamericana no foro regional e a comunidade internacional como um todo nas Nações Unidas. Ao julgar o Presidente Zelaya sem que lhe fosse dado o direito fundamental de ser ouvido e defender-se, o Estado hondurenho descumpriu a própria Constituição hondurenha e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Esta reza, em seu artigo 8, que trata das garantias judiciais, que “(t)oda pessoa tem o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido com anterioridade pela lei, na substanciação de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outro caráter”. Aquela determina no capítulo das garantias pessoais, especificamente em seu artigo 82, que “(e)l derecho de defensa es inviolable”. Não foi inviolável no caso do President Zelaya.

Sobre a detenção arbitrária do Presidente Zelaya
Mesmo se a deposição do Presidente Zelaya tivesse sido, do ponto de vista jurídico, irretocável, não caberia dúvida quanto à ilegalidade do cumprimento da decisão da Corte Suprema de Justiça. Não apenas pela forma como o Presidente Zelaya foi retirado de sua residência, o que de toda maneira foi contrária à Constituição, mas porque a Constituição proíbe em seu artigo 102 que “(n)ingún hondureño podrá ser expatriado …”. Ao levarem sob vara o Presidente Zelaya para a Costa Rica, o Estado hondurenho feriu um direito constitucional básico conferido a todo hondurenho.

Ponho-me a sua inteira disposição para qualquer informação adicional que possa ser de alguma valia para seus leitores. Meu endereço eletrônico é (XXX). Meus telefones são (XXX)

Esperando ter esclarecido os pontos que me pareceram não estarem corretos no artigo do Gustavo Chacra, que serviu de base à sua matéria, subscrevo-me atenciosamente.
Ruy Casaes
Representante Permanente do Brasil junto à OEA

e.t. A propósito, não sou ignorante em direito. Formei-me em direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro há exatos 40 anos.

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