segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Aquela maldição de Pat Robertson


A visita da secretária de Estado Hillary Clinton ao Haiti neste fim de semana busca dar ênfase ao empenho do presidente Barack Obama, que tem falado ao país diariamente sobre a tragédia e chamou Bill Clinton e George W. Bush para um esforço extra. Mas nos EUA é notória e chega a ser constrangedora a insensibilidade de personalidades, políticos e profissionais da mídia em relação ao Haiti. Quatro nomes destacaram-se negativamente nos últimos dias.

O primeiro foi o conspícuo tele-evangelista Pat Robertson. Criador da notória Coalizão Cristã, esse reverendo fundamentalista disputou em 1988 as primárias do Partido Republicano como candidato à Casa Branca. Não emplacou. Mas como ex-dono de um canal de cabo o pastor Robertson continua influente no partido graças a seu programa de TV Clube dos 700, financiado por milionários republicanos.

Apesar de se julgar teólogo, filósofo e sábio, Robertson é capaz de asneiras monumentais. No último dia 13 declarou que a causa da pobreza e das tragédias do Haiti é um pacto com o diabo feito há dois séculos pelos escravos negros: em troca da vitória deles na rebelião de 1804 contra a escravidão e o controle dos colonos franceses, segundo a versão, passaram a servir ao senhor das trevas – e por isso foram amaldiçoados.

Tal idiotice virou tema de debates em talk shows das redes de TV a cabo dos EUA. No passado o mesmo Robertson vendeu milhares de fitas VHS acusando o casal Clinton de homicídio, conclamou ao assassinato de Hugo Chávez, chamou o profeta Maomé de terrorista, ganhou mina de ouro do ditador liberiano Charles Taylor (hoje acusado de crimes de guerra) e disse que o 11/9 foi castigo divino por causa das feministas, dos gays e do aborto.

Os ‘iluminados’ e uma velha receita

Há mais “iluminados”, além de Robertson, determinados a sabotar na mídia a campanha em favor de doações às vítimas do Haiti. Rush Limbaugh, extremista de direita e rei dos talk shows de rádio, conclamou as pessoas a negarem doações. “Já doamos antes. (…) Chega de jogar dinheiro fora”. E dois conservadores – Bill O’Reilly, da Fox News, e David Brooks, do New York Times – apresentaram suas próprias receitas mágicas.

A receita de O’Reilly é risível, digna do mau jornalismo do império Murdoch. Para ele, a cura dos problemas econômicos e sociais do Haiti consiste em impor disciplina aos haitianos. “Metade da população é analfabeta, o desemprego é 50%, as pessoas vivem com menos de US$2 por dia. Nenhuma caridade será suficiente e boas intenções não resolvem. O Haiti continuará caótico até se impor disciplina a eles”.

Já a receita “civilizada” de Brooks é contra a “cultura resistente ao progresso”. Ele explicou: “É hora de promover ali o ‘paternalismo dirigido’. Tentamos primeiro o combate à pobreza espalhando dinheiro, tal como fizemos em outros países. Depois, os esforços microcomunitários, como também fizemos em outras partes. Mas os programas que realmente funcionam envolvem paternalismo intrusivo”.

Ao expor esses dados o crítico de mídia Steve Rendall apelou para um grupo de direitos humanos, que ofereceu esta conclusão: “a receita do ‘paternalismo intrusivo’ para ‘consertar a cultura’ foi a política dos EUA no Haiti nos últimos 100 anos: ocupação militar brutal (1915-34); apoio à ditadura (1957-86); e, recentemente, a imposição de políticas comerciais que empobreceram ainda mais o povo. É preciso consertar não a cultura haitiana mas as políticas dos que só ajudam a si próprios. Elas é que deixaram milhares de haitianos literalmente enterrados vivos”.

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