quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Boris Casoy e Uma Semana de Cão


Minha semana começou assim: Segunda-Feira: Às três da manhã o pessoal do Band me liga para saber o telefone celular do Boechat (por quê queriam o telefone do Boechat?). Ainda na cama, peguei os óculos na mesinha de cabeceira, abri a caderneta e passei-lhes o número. Larguei os óculos sobre o leito e adormeci com o telefone na orelha. Quando estava pegando a caderneta, esbarrei no despertador, que travou sem que eu o percebesse.

09:50 h. Acordei sobressaltado com o barulho da empregada na cozinha. Olhei as horas e não acreditei. Saltei da cama lançando os óculos ao chão, quase ao mesmo tempo em que os pisava, quebrando-os. Corri para o banheiro para fazer a barba o mais rápido possível. Estava agendado para as nove horas uma reunião com os gerentes de setor sobre um problema de áudio vazado na empresa, intitulado: "A FALTA DE BOM SENSO DOS APRESENTADORES FASCISTÓIDES E SEU CUSTO PARA A EMPRESA". O tema era meu... Não me perguntem como, mas fazendo a barba consegui cortar o nariz e metade de uma sobrancelha. Devo confessar que sou quase cego sem os óculos.

Tentei consertar usando o lápis de sobrancelha da minha esposa. A empregada, uma senhora de meia-idade, usa uns óculos de mesmo grau que o meu, ou quase. O chato é que eles são antigos, da época das discotecas. Tem aquele formato de gatinha, aros rosa-choque e pedrinhas coloridas. Mas eu não tinha tempo de passar em um oculista. Afanei os óculos da empregada e saí para a rua. Por vergonha de ser visto dirigindo usando aquela armação, fui de taxi para o trabalho.

Desci na calçada defronte ao prédio exatamente às 10:15 h, na hora em que uma senhora gorda saía da lanchonete com um sanduíche gorduroso, empanturrado de cebolas e catchup. Foi um esbarrão daqueles! A salsicha veio parar no bolso da minha camisa, que ficou toda emporcalhada de cebola e creme de tomate. E eu ODEIO cachorro-quente!

Penalizado com a minha situação, o porteiro gay do edifício me emprestou uma camisa amarela e sua gravata verde abacate. Eu estava uma pilha. Confesso que quase chorava. Como poderia aparecer diante dos Diretores Band vestido daquele jeito e ainda atrasado?

Me deram um calmante e nem pestanejei. Tomei um copo de um refresco de groselha do porteiro para ajudar a engolir. O porteiro notou que minha calça também estava suja, na altura do zíper . Ali não teve jeito. Tive que lavar mesmo. Para secar mais rápido, coloquei uma folha de jornal amassada por dentro da calça, enquanto subia pelo elevador.

No elevador, examinei a minha figura no espelho e notei que até que não ficara mal com aquela camisa amarela e a gravata verde. Os óculos de aro rosa, em forma de olhar de gatinha, com aquelas pedrinhas coloridas também combinavam com a minha sobrancelha desenhada. E tudo combinava com os lábios rosados pela groselha... na verdade, o elevador estava tão bonito... o mundo era tão bonito... e até os garis eram bonitos... me deu vontade de chorar de felicidade.

11:15 h: Saí do elevador meio cambaleante... que remédio porreta! Acho que eu estava cantando quando entrei na sala de reuniões. O superintendente geral estava na cabeceira da mesa. Fui para minha cadeira, pedindo desculpas a todos pela demora e sentei... no colo de alguém. Era o chefe de Telejornalismo. Não sei bem exatamente o que disse durante a reunião, mas o superintendente não parava de me olhar. Até que percebi que havia esquecido de retirar o jornal de dentro das calças. Aquilo me dava um volume monstruoso! Em algum momento do meu falatório esbarrei no copo dágua à frente de um colega e o líquido se esparramou por sobre suas pernas. Rapidamente, peguei um guardanapo e tentei secar a calça do colega, que deu um tapa nas minhas mãos. Acho que ele pensou que eu o estava assediando.

12:00 h. Olhei para o relógio e não compreendi direito como estava sentado na calçada do prédio da Emissora. Lembro assim, meio vagamente, de ser arrastado para fora da sala, com o superintendente berrando "FORA! FORA! RUA!..." Uma senhora passou e jogou uma moeda no meio das minhas pernas. Um guarda municipal me pegou pelo braço e me arrastou para um ônibus que me levou para um abrigo de mendigos. A língua estava meio presa na boca. Quando tentava falar, meio que grunhia. No fim da tarde, um grupo de mendigos conseguiu fugir do abrigo e me arrastaram junto. Sentamos em uma praça e ficaram todos conversando. Um grupo de estudantes veio e tirou algumas fotos.

Terça-feira: Acordei deitado na calçada, abraçado a um mendigo enorme, que cheirava como um bueiro em dia de chuva. Minha carteira, dinheiro, relógio, documentos, sapatos, tudo sumira. Ficara apenas com a camisa amarela, a gravata verde, os óculos de gatinha ( por que será que não os roubaram? ) e a calça com uma mancha enorme, como se eu houvesse me urinado. Sentei no banco da praça e fiquei pensando em nunca mais voltar para casa. Outra senhora idosa me jogou mais uma moeda. Estava morto de fome e o mendigo com o qual dormira me trouxe um sanduíche de ovo e uma garrafa de cachaça. Bebi no gargalo mesmo. Devo ter bebido bastante, porque não lembro de mais nada desse dia.

Quarta-feira: Acordei de novo abraçado ao mendigo. Almoçamos juntos e bebemos mais algumas garrafas de cachaça.

Quinta-feira: Passei a noite em claro. Marreta - esse era o apelido do mendigo - passou a noite fora. Foi muita falta de consideração dele. Tivemos uma discussão e ele me bateu. Levantei muito chateado e resolvi voltar para casa.

Quinta à noite: Cheguei em casa andando e inventei uma história de que fora seqüestrado. Era mais fácil de explicar.

Sexta-feira: Minha foto saiu na capa de uma revista sobre gays abandonados na terceira idade.

Sábado: Minha mulher, meus filhos e a empregada foram embora. O Marreta que fez o almoço. Como ele cozinha mal!

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