sábado, 16 de janeiro de 2010

A cobertura do terremoto

A cobertura do terremoto é marcada pelo divórcio entre o desastre e a história política e social do Haiti", o ativista canadense Yves Engler disse em uma entrevista. "Ela apenas repete que o governo estava completamente despreparado para lidar com a crise. É verdade. Mas não explicaram os motivos".

Por que 60% dos edifícios de Porto Príncipe foram mal construídos e eram inseguros em condições normais, de acordo com o prefeito da cidade? Por que não há regulamentos para a construção em uma cidade que fica sobre uma falha geológica? Por que Porto Príncipe inchou de uma cidade de 50 mil habitantes no anos 50 para 2 milhões de pessoas desesperadamente pobres hoje? Por que o estado foi completamente incapaz de lidar com o desastre?

Para entender esses fatos, temos de olhar para uma segunda falha geológica -- a política imperial dos Estados Unidos em relação ao Haiti. O governo dos Estados Unidos, as Nações Unidas e outros poderes ajudaram a elite do Haiti a submeter o país a planos econômicos neoliberais que empobreceram as massas, causaram deflorestamento, destruiram a infraestrutura e incapacitaram o governo.

Esta "falha" do imperialismo dos Estados Unidos interagiu com a falha geológica para transformar um desastre natural em uma catástrofe social.

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos apoiaram as ditaduras de Papa Doc Duvalier e depois de Baby Doc Duvalier -- que governaram o país de 1957 a 1986 -- como um contrapeso anticomunista à Cuba de Castro, que fica por perto.

Sob a direção de Washington, Baby Doc Duvalier abriu a economia do Haiti para o capital dos Estados Unidos nos anos 70 e 80. A enchente de produtos agrícolas dos Estados Unidos destruiu a agricultura camponesa. Como resultado, centenas de milhares de pessoas fugiram para as favelas de Porto Príncipe para trabalhar por salários baixíssimos nas zonas de processamento de exportação para os Estados Unidos.

O resultado? Pequenos agricultores fugiram do campo e migraram às dezenas de milhares para as cidades, onde construiram abrigos baratos nas colinas. Os fundos internacionais para estradas e educação e saúde foram suspensos pelos Estados Unidos. O dinheiro que chega ao país não vai para o governo mas para corporações privadas. Assim o governo do Haiti quase não tem poder para dar assistência a seu próprio povo em dias normais -- muito menos quando enfrenta um desastre como esse.

Alguns dados específicos de anos recentes.

Em 2004 os Estados Unidos apoiaram um golpe contra o presidente eleito democraticamente, Jean Bertrand Aristide. Isso manteve a longa tradição de os Estados Unidos decidirem quem governa o país mais pobre do hemisfério. Nenhum governo dura no Haiti sem aprovação dos Estados Unidos.

Em 2001, quando os Estados Unidos estavam contra o presidente do Haiti, conseguiram congelar 148 milhões de dólares em empréstimos já aprovados e muitos outros milhões de empréstimos em potencial do Banco Interamericano de Desenvolvimento para o Haiti. Fundos que seriam dedicados a melhorar a educação, a saúde pública e as estradas.

Entre 2001 e 2004, os Estados Unidos insistiram que quaisquer fundos mandados para o Haiti fossem enviados através de ONGs. Fundos que teriam sido mandados para que o governo oferecesse serviços foram redirecionados, reduzindo assim a habilidade do governo de funcionar.

Os Estados Unidos têm ajudado a arruinar os pequenos proprietários rurais do Haiti ao despejar arroz americano, pesadamente subsidiado, no mercado local, tornando extremamente difícil a sobrevivência dos agricultores locais. Isso foi feito para ajudar os produtores americanos. E os haitianos? Eles não votam nos Estados Unidos.

Aqueles que visitam o Haiti confirmam que os maiores automóveis de Porto Príncipe estão cobertos com os símbolos de ONGs. Os maiores escritórios pertencem a grupos privados que fazem o serviço do governo -- saúde, educação, resposta a desastres. Não são guardados pela polícia, mas por segurança privada pesadamente militarizada.

O governo foi sistematicamente privado de fundos. O setor público encolheu. Os pobres migraram para as cidades. E assim não havia equipes de resgate. Havia poucos serviços públicos de saúde.

Quando o desastre aconteceu, o povo do Haiti teve que se defender por conta própria. Podemos vê-los agindo. Podemos vê-los tentando. Eles são corajosos e generosos e inovadores, mas voluntários não podem substituir o governo. E assim as pessoas sofrem e morrem muito mais.

Os resultados estão à vista de todos. Tragicamente, muito do sofrimento depois do terremoto no Haiti é "Feito nos Estados Unidos".

Fonte: Huffington Post, reproduzido por Vi o Mundo


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