· Por Edmundo Leite
Não entendo de publicidade. Mesmo assim, arrisco dizer que a imagem do prefeito paulistano Gilberto Kassab no intervalo comercial do horário nobre da TV agora de noite para justificar as enchentes
Para quem não viu (e como o vídeo ainda não foi para no YouTube), aqui vai uma breve descrição :
Fantasiado Vestido com uma capa de chuva amarela e tentando dar um tom informal à justificativa, o prefeito relata ações da prefeitura contras as enchentes enquanto as imagens mostram piscinões, bonitos córregos canalizados e limpeza de bueiros.
A coisa vai indo nessa toada até que em determinado momento o prefeito chama as tempestades de dilúvio e diz que, mesmo com tudo o que foi feito, não há cidade que aguente tamanha quantidade de água.
Além de destacar essa força descomunal da natureza, a propaganda mostra imagens de entulhos sendo retirados pelos caminhões – no final aparece um sofá – para reforçar a mensagem de que a culpa pelas enchentes não é da prefeitura.
Se a mensagem surtir efeito, será um case publicitário de sucesso e os marqueteiros da prefeitura poderão comemorar. Mas como disse, estou na dúvida: será que conseguiram passar a mensagem pretendida?
Provavelmente o prefeito não esteja errado ao dizer que a força dessas chuvas recentes seja atípica. Mas será que as pessoas que não manjam de publicidade e seus meandros, como eu, podem não entender direito a mensagem e ficarem um pouquinho indignadas?
Não haverá o risco de – tomados pela emoção das lembranças de não poderem chegar ao trabalho, da casa alagada ou de um parente levado por uma enxurrada ou deslizamento - os telespectadores acharem que soa como escárnio o prefeito ir à televisão dizer o que foi dito da maneira que foi dito, e ainda com dinheiro pago pelos contribuintes?
Será preciso muitas horas de pesquisa qualitativa para se chegar a uma conclusão sobre o resultado da peça publicitária, mas de minha parte posso dizer o que ficou na minha cabeça: o Kassab de capa de chuva amarela.
Me lembrei do famoso desenho do Pica-Pau nas cataratas de Niagara. Aquele em que os turistas de capa amarela erguem os braços e urram toda vez que o guarda atormentado pelo Pica-Pau despenca pelas cataratas num barril de madeira.
Nesse caso, os marqueteiros poderiam até comemorar, pois a propaganda do prefeito me fez ter uma boa lembrança, através da associação da capa amarela.
Mas a imagem das forças das águas de Niagara também me fizeram voltar à realidade: se no desenho o pobre guarda sobrevive às inúmeras descidas de barril na gigantesca queda, aqui as pessoas morrem afogadas em pequenos córregos esquecidos pela prefeitura, galerias sem tampas no meio da rua e outros buracos para onde são tragadas sem chance de se salvar.
Na época em que tinha tempo para esses e outros passatempos, tinha um vizinho que alternava um deslumbramento de não piscar os olhos quando assistia TV com uma crueldade sem igual nos comentários realistas na conversa da molecada sobre desenhos, filmes e comerciais: “isso não é de verdade. Que farsa!”, dizia. Parece que tinha razão.
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