…nunca fizeram mal a ninguém. Volto para Berlim, de uma temporada no Brasil, muito animado e um pouco assustado também
Animado: o país passa por uma fase evidente de melhoras e ascensão social. Deixo as estatísticas para o Prof. Márcio Pochmann e o IPEA, que aliás, está excelente sob sua batuta (apesar de gremista, como sempre digo). Ao invés das estatísticas (que não são desprezíveis nem desprezáveis, muito pelo contrário), prefiro falar das expectativas. Fazia tempo que não encontrava tanta gente otimista, ainda que cautelosamente. Mais ou menos assim: empresários empresariando, operários operariando, crianças criançando (apesar de haver ainda essa praga do trabalho infantil), velhinhos velhando, a classe média se remediando e, é claro, nossa anacrônica direita cuspindo fel, fogo e baba pela boca (vide matérias na CM sobre o encontro do Instituto Millenium).
A impressão que dá, e a troquei com o professor Antonio Candido, meu fiel interlocutor e termômetro socioeconômicopolíticocultural, é que “o país entrou nos trilhos”, seja lá onde isso vai nos levar. Quer dizer: o país entrou num rumo que vai ser difícil mudar radicalmente, apesar da direitona tramar isso por debaixo e por cima do pano de suas promessas com pele de cordeiro de que “as boas coisas da administração Lula serão mantidas”.
Quem quiser acreditar que morda o dedo e faça um despacho na encruzilhada. Mas o que eu e o professor queríamos dizer é que se alguém quiser mudar esse rumo de crescimento social sustentado e de inclusão, vai enfrentar uma resistência de amargar-lhe a vida.
Peguei também nessa temporada o momento ascensional da candidatura de Dilma nas pesquisas de opinião. Foi animador. Afinal de contas, ela é sim uma candidata competitiva e competente. Botou em ordem a casa, junto com o “CTG” (Marco Aurélio Garcia e Tarso Genro) de que faz parte, ainda que venha das Minas Gerais, em momento difícil para o PT e o governo, antes das eleições de 2006. Sustentou o fogo do adversário, e deu lastro para que Lula envergasse Alckmin a ponto deste ter menos votos no 2° do que no 1° turno. Repito: animador.
Mas… aí começaram as preocupações. Porque naquele momento ascensional de Dilma notei que entre vários de meus amigos e correligionários de esquerda instalava-se um tentador clima de “já ganhou”, de “ninguém mais duvida de que Serra vai perder” (não era nem de que “Dilma vai ganhar”). Vi-me envolvido por um verdadeiro foguetório parecido com aqueles de quando o Brasil entra em campo, e a gente esquece de tudo, na antecipação da vitória: esquece a hecatombe de 1950, esquece o desastre de Sarriá, na Espanha, contra a Itália, os vexames de 1954 (olha que sou velhinho!), 1966, 1974 e 1978, 1998 e 2006. É verdade que, em geral, no futebol, o Brasil, quando perde, é porque dá vexame. Porque se resolve jogar, poucos times agüentam o tranco.
Mas na política, entre direita e esquerda, não é assim. O nosso time pode jogar bonito, e perder o jogo. Não foi assim em 1989? Que eleição aquela! Até hoje me arrepia a lembrança de Chico, Milton e Djavan (parece uma linha média) cantando o “Lula lá”. Mas o outro lado, além das pilantragens do costume, coisa de marquetear edição de debate, botar camiseta de petista em autor de seqüestro, colocar as barbaridades da Míriam Cordeiro no ar sem nenhum pudor nem candor, repito, o outro lado jogou melhor.
Melhor? Melhor. Eu não jogaria do jeito que eles jogaram. Mas eles, naquela ocasião, exploraram melhor as fraquezas e as limitações do nosso lado. Não estou fazendo o julgamento nem a caveira de ninguém. Só alertando que o outro lado joga pesado, feio, é contra a política-arte e a favor do tranco, do pé no peito e do carrinho dentro da área, mas que isso, em política, pode ser jogar bem também. A gente tem que estar preparado, porque vem artilharia pesada, torpedos e bombardeios, além de possíveis ogivas nucleares para cima da candidatura da Dilma e para todo o nosso lado.
Por quê? Porque a perspectiva de ficar mais 4, 8, talvez 12 ou 16 anos fora do Palácio do Planalto deixa a turma dos amigos do Millenium (e dele mesmo) apopléticos, com risco de ataque de asma espiritual, taquicardia política e risco de anorexia financeira e organizativa. O DEM vai definhar, o PSDB pode implodir, Alckimistas de um lado e Serralhos do outro e FHC no meio segurando o pincel, os Verdes são capazes de esverdear, com musgo e mofo se alastrando de seu lado direito em direção à sufocação do seu lado esquerdo – pois terão de deixar essa postura que vêm mantendo, de que o que a minha mão direita faz a outra mão desconhece, e vice-versa.
Já o PSOL, bem, o PSOL ficará onde sempre esteve, isto é, não se sabe muito bem aonde, ou, como se diz na minha terra, “mais perdido que cusco em procissão” e “mais nervoso que gato em dia de faxina”. Isso, quanto à direção. O povo do PSOL vai acabar votando na Dilma.
Voltei convicto de que o Brasil vai bem obrigado. Que as chances de Dilma são reais. Mas que as de Serra também. Ou seja: vamos pra frente que o futuro é da gente. Mas que hay que trabalhar para lá chegar. E muito. A peleia promete ser das boas.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim
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