O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), declarou nesta quinta-feira (13), no Recife, que não conhece nenhum eleitor de Dilma Rousseff, que os votos não são dela, são do presidente Lula. Eu, Bernardo Joffily, jornalista, 59, apresento-me modestamente mas com muito orgulho ao nobre senador como primeiro eleitor de Dilma. E digo o porquê.
Sérgio Guerra acompanhava o seu presidenciável, José Serra, quando se saiu com esta: "Dilma tem cerca de 30% de intenções de voto, mas eu não conheço nenhum eleitor de Dilma. Os votos não são dela. Se Lula não fizer essa ação por ela, Dilma não existe. Todo esse percentual é de candidata de Lula e não dela."
A tirada faz parte do discurso eleitoral tucano de 2010, que foge de bater no presidente mais popular que o país já teve. O próprio Serra disse no mesmo dia que Lula "está acima do bem e do mal", é uma "entidade" e "um fenômeno que não se repetirá nem hoje, nem amanhã, nem nunca".
Pois eu, senador Guerra, sustento que Dilma Rousseff tem tudo para fazer um governo ainda melhor que o de Lula. Possui densidade, coerência e capacidade para fazer a terceira gestão da "turma do Lula" superar a segunda, que já avançou em relação à primeira. E exponho as razões desta convicção.
Um itinerário consequente
Tomei contato com a hoje candidata de Lula em 2003, quando o então novo governo dava seus primeiros passos. Em meio a uma constelação de novos ministros, alguns com muito mais condecorações, aquela moça das Minas e Energia chamou-me a atenção.
Ela não só evidenciava um excepcional conhecimento das coisas de sua pasta. Projetos como o Luz para Todos indicavam muito mais do que uma tecnocrata competente. Dilma enxergava as minas e a energia a partir de uma visão de mundo e de Brasil. "Essa aí pensa a nação", anotei, num canto da memória.
Fui atrás de mais informação e tomei conhecimento da trajetória de Dilma. A militância contra a ditadura, primeiro na Polop, na Faculdade de Economia da UFMG, depois na Var-Palmares. A longa prisão, aos 22 anos, quando foi barbaramente torturada. O apelido de 'Joana D'Arc da Esquerda', citado em um relatório da embaixada americana ao Departamento de Estado
O gesto de coragem de Lula
Aí, senador Guerra, veio o 'Mensalão', quando os senhores chegaram a testar o lema "Fora Lula" e examinar a opção de um pedido de impeachment. No calor do escândalo, caiu o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. A sua turma, senador, estava "encantada", porque "estaremos livres dessa raça pelos próximos trinta anos", para usar as palavras de seu ex-colega e ainda aliado Jorge Bornhausen.
Lula, encostado nas cordas pelos senhores, chamou Dilma para substituir Dirceu. Foi um gesto de coragem. O chefe da Casa Civil é quase um primeiro ministro. Dilma tinha apenas cinco anos de PT. Não tinha uma tropa própria para o pesado empurra-empurra do jogo político. O que tinha? Uma ficha invulnerável aos ataques dos inquisitores do 'Mensalão'. E ideias, e determinação, e uma notável capacidade de trabalho, como logo ficou provado, com o PAC.
Naquele mês de junho de 2005 eu comentei com os meus botões: "Essa moça daria uma bela presidente da República..."
Confesso que não botava muita fé. Havia um imenso caminho a percorrer. Mas Deus escreve certo por linhas tortas. Lula, esse torneiro-mecânico que é um gênio da política, dobrou em
O presidente não podia ter feito melhor escolha. Olho para a base do governo, que não é pequena nem carente de talentos; passo em revista uma dúzia de alternativas possíveis. Minha conclusão: Dilma é a melhor candidata presidencial que o campo pró-Lula poderia ter. A melhor para ganhar. E de longe a melhor para governar.
A decisão de Lula foi o passo decisivo. De outra forma, Dilma não passaria pelo crivo da escolha intrapetista. Mas com o presidente como eleitor, ela foi aclamada pela unanimidade do PT. Conquistou o PMDB de Michel Temer. Conquistou o PSB de Ciro Gomes. Está construindo uma coligação de centro-esquerda que pode chegar a 11 partidos. Embora as pesquisas a coloquem em segundo lugar, ou no máximo em empate técnico com Serra, quem sabe ler nas entrelinhas constata, até na oposição e em sua mídia, que ela é vista como a favorita na disputa de outubro.
Nunca foi candidata? e daí?
Dilma Rousseff nunca foi candidata a nada. Mas isso não é necessariamente um handicape negativo, em um país onde os políticos são vistos com enorme desconfiança. Perguntada sobre sua inexperiência eleitoral, ela escreveu no Twitter esta semana: "Fico pensando se isso não é bom, uma lufada de ar novo na política tradicional".
Além disso, há precedentes. Em certo país nada distante, já houve uma história assim. Uma ex-presa política, levada ao Ministério da Saúde por sua competência, em seguida à sensibilíssima pasta da Defesa Nacional; foi lançada para presidente mesmo com experiência eleitoral zero. A direita a acusou de inexperiente e próxima de "grupos terroristas". Era a chilena Michele Bachellet, que mesmo assim se elegeu, se reelegeu e concluiu seu mandato em março passado com uma aprovação tipo Lula: 84%.
A possibilidade de um governo Dilma superar o atual em realizações e conquistas também se baseia em um raciocínio concreto. Primeiro, porque ela vai continuar e aprofundar os avanços já conquistados nos dois mandatos de Lula. Segundo, porque irá dispor de noções como frente de centro-esquerda e governo de coalizão, que estavam longe de serem um consenso na fase logo após a vitória de 2002, mas fazem parte da visão de país de Dilma. E, terceiro, porque contará com a lucidez, a sagacidade e a experiência de seu descobridor, lançador e eleitor, o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva.
Um grão de verdade numa frase de Serra
Duas palavras finais sobre Lula. Há um grão de verdade na frase de Serra, de que ele "é um fenômeno que não se repetirá nem hoje, nem amanhã, nem nunca". Mas todos nós, humanos, inclusive ele, Serra, e também Dilma, somos assim, inéditos e irrepetíveis. E eu espero que o presidenciável tucano de 2010 não esteja querendo dizer, como Geraldo Alckmin disse na campanha de 2006, que a turma de Lula "já teve a sua chance" e está na hora de voltar à normalidade, àquela política que se repete sempre, baseada nas mesmas classes dominantes, desde que o Brasil é Brasil.
Lula, com sua biografia e seu governo, cavou um lugar especialíssimo na história do país. Mas Lula não é o lugar do finalizador de uma obra. É, sim, o do desbravador, do pioneiro, do inaugurador de um ciclo novo que está apenas engatinhando. Como diz o slogan tucano, "o Brasil pode mais": poderá cada vez mais se continuar no caminho de Lula, que é o de Dilma, oposto ao de FHC, Serra & Cia.
Sérgio Guerra não precisa concordar com as minhas razões. Mas enviarei hoje mesmo o endereço deste artigo ao seu gabinete no Senado (enquanto é tempo, pois ele desistiu de tentar a reeleição). E espero que ele nunca mais diga que não conhece nenhum eleitor de Dilma.
Bernardo Joffily, jornalista, 59
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