segunda-feira, 31 de maio de 2010

Dunga, não gostamos de você

Dunga montou um time fortíssimo para a Copa de 2010. Se engrenar, essa equipe atropelará impiedosamente todos os adversários e será campeã de maneira avassaladora. Temo, como uma tropa SS. Porém, nem isso o livrará do estigma de antipatia que ele mesmo se esforçou por criar em torno de si. Sob esse aspecto, superou Parreira e, em termos de rejeição, já passou para a história.

Por Jeosafá Fernandez Gonçalves

O trabalho de Dunga à frente da Seleção Brasileira de futebol tem sido coroado por vitórias insofismáveis. Não se pode dizer que o torcedor brasileiro tenha tido qualquer decepção, sobressalto ou sequer tenha sentido um mísero frio na barriga nos últimos anos de gestão Carlos Caetano Bledorn Verri à frente do escrete nacional.

Então por que tanta animosidade em relação a esse brasileiro natural de Ijuí, tão disciplinador – mas que não poupou seu colega de ofício e de Seleção Brasileira, Bebeto, em 1998, em jogo contra o Marrocos, de uma vergonhosa e covarde cabeçada captada nitidamente pelas câmeras de televisão?

A verdade é simples e cândida: não é do estilo de futebol de Dunga que não gostamos: é dele.

Ainda que ele tivesse cedido aos apelos das arquibancadas e convocado Ganso e Neimar, ainda que ele deixasse seus cabelos e barbas crescerem, ainda que ele não fizesse beligerantes comerciais de cerveja, ainda assim... teríamos dificuldades de engoli-lo como engolimos, vá lá, o simpático e místico Zagalo.

Isso ocorre porque Dunga tem pelo menos três características, que não têm nada a ver com o homem dos pampas, nem da caatinga, nem do litoral, nem do cerrado, nem da mata, que nós brasileiros, egressos de uma ditadura sanguinária, abominamos: o autoritarismo, a prepotência e a intolerância.

O autoritarismo é congênito à sua formação. Já tratei disso na primeira matéria a esse especial do Vermelho para a Copa de 2010. Está relacionado à escola do Capitão Parreira, que o formou – ou deformou, a depender do ponto de vista.

Eu, particularmente, preferiria que ele se tivesse formado na escola do Capitão Lamarca, porém, as coisas, diz José Saramago, têm a péssima mania de serem o que são.

Os anos de luta pela democracia vincaram tanto em nós valores democráticos que o discurso linha dura, falso-moralista e falso-patriótico de Dunga, apoiado por atletas que se lembram de Deus principalmente diante das câmeras de TV, se nos apresenta patético e anacrônico.

A prepotência de Dunga está relacionada à sua carreira sem dúvida vitoriosa. É o típico caso do sucesso que sobe à cabeça, ainda mais quando o sucesso foi testado por muitas e muitas vaias. Mas o sucesso não leva necessariamente à prepotência, como bem o demonstra Pelé, Tostão, Toninho Cerezo, Telê Santana, Pepe entre muitíssimos outros. A prepotência é um traço particular da psicologia de Dunga que vazou para sua vida profissional, social e esportiva. Podemos lamentar, mas não temos nada a fazer sobre esse particular – e também não temos nada a ver com isso.

A intolerância se viu patente na atitude descortês que ele fez questão de ver registrada por todas as câmeras da imprensa presente à recepção calorosa organizada por Lula, no Palácio do Planalto, quando da despedida de nossa Seleção canarinho.

Que Dunga não gosta de Lula, sabemos há muito tempo. Que ele tem claras inclinações de direita, também não é novidade para ninguém. Mas não deixa de ser extremamente significativo que, de Ahmadinejad a Obama – que estão longe de serem de esquerda –, Lula seja tratado com deferência, enquanto que, pelo técnico da Seleção Brasileira de Futebol!, seja tratado com desprezo, como se viu nas televisões e jornais impressos do país e divulgados para o exterior.

Após o constrangedor evento, corri os olhos pela mesma imprensa que tem atacado Lula diariamente. Por incrível que pareça, até mesmo ela, Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, inclusive, lamentaram a atitude do capitão e atual técnico da Seleção – e cabeceador de Beto. A Folha fez mesmo constar no jornal, no caderno em que critica Dunga, a foto da Seleção dos EUA, em que Obama aparece sorridente com seus atletas, que se despedem rumo à África.

Essas três características de Dunga que abominamos (o autoritarismo, a prepotência e a intolerância), juntas, formam uma quarta: a presunção.

Não deixa de ser curiosíssimo que Pelé, Sócrates, Reinaldo – aquele magistral centro-avante do Atlético Mineiro –, Roberto Dinamite, Zico, Júnior – do Mengo, que acaba de lançar um livro no Museu do Futebol em São Paulo – sejam modestos e corteses, enquanto Dunga, gente do céu, Dunga! seja presunçoso.

A presunção de Carlos Caetano Bledorn Verri é tal que, tendo sido guindado ao segundo cargo mais importante da República de forma indireta, o de técnico de nossa Seleção, presume poder expor o presidente mais popular da história do Brasil a um constrangimento humilhante.

Vendo as fotos nos jornais do dia seguinte, lembrei-me da atitude de “patrãozinho”, de “sinhozinho”, de “coronézinho” assumida por Alckmin, no debate da eleição presidencial que selou sua derrota para o operário, que não devolveu nos mesmos termos sua atitude desprezível. O resultado das últimas eleições presidenciais todos o sabemos.

Advogo que uma coisa é o time que Dunga montou, de forma competente e competitiva, candidatíssimo ao título da Copa de 2010; outra coisa é Dunga-mensagem política. Os valores morais, éticos, políticos que Carlos Caetano Bledorn Verri defende nos dão arrepios.

Com certeza, se a estrutura do futebol brasileiro tivesse evoluído ao menos nos termos de nossa jovem democracia, e caso houvesse – utopia – eleições diretas para técnico da Seleção, Dunga não seria sequer candidato, uma vez que não reúne em torno de si o mínimo de simpatia necessária para se submeter ao voto. Só é técnico de nossa Seleção porque os mecanismos que regem a CBF são os mais cafajestes possíveis e imagináveis. Aliás, tivesse a CPI da Bola vingado, não só ele como seu parente, Ricardo Teixeira, estariam em péssimos lençóis.

Leitor-torcedor do Vermelho, façamos como Lula, ante a cafajestice de Dunga, digna de Artur Virgílio, Agripino Maia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello: continuemos acreditando em nossa Seleção canarinho, que nunca foi confundida pelos brasileiros com seu técnico, mesmo quando ele foi João Saldanha ou Telê Santana.

Vencendo ou perdendo, continuaremos gostando de nossa Seleção. Por outro lado, vencendo ou vencendo, continuaremos a detestar Dunga – a não ser que ele nos surpreenda e nos mostre ser algo melhor do quem tem se esforçado em nos fazer acreditar ser.

Dunga, pelos valores que você defende, e depois de seu papelão na despedida do time rumo à África do Sul, só cabe esta adaptação à música que Jorge Benjor dedicou a Fio Maravilha:

Dunga, não gostamos de você!

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