Dois blogueiros com vasto público, Paulo Henrique Amorim e Ricardo Noblat, tiveram nesta terça-feira (25) um web-bate-boca sobre as chances de golpe contra a presidenciável Dilma Rousseff (PT). Noblat chamou PHA de "blogueiro ordinário", após sustentar que "há abusos suficientes para ameaçar o registro da candidatura de Dilma", mas "falta coragem" ao Tribunal Superior Eleitoral. O episódio é um bom pretexto para examinar o suposto – e cada vez mais falado – risco de golpe.
Por Bernardo Joffily
Lacerda (por Lan): passou o tempo
Primeiro, o resumo da ópera:
1. O jornal Folha de S.Paulo desta terça afirma que "a candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff (PT) à Presidência caminha para ter problemas já no registro e, se eleita, na sua diplomação", pelo TSE, "por abuso de poder econômico e político". A fonte é a procuradora da República e vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau.
2. Ricardo Noblat comenta: "Há abusos suficientes para ameaçar o registro da candidatura de Dilma, admitem dois ministros do Tribunal Superior Eleitoral ouvidos por este blog. Mas falta ao tribunal coragem para tomar qualquer medida mais drástica a esse respeito."
3. PHA reproduz a notícia e o comentário, a pedido de um internauta: "O Conversa Afiada reproduz o comentário do amigo navegante Paulo: 'PH olha essa que saiu no blog do Noblat, funcionario da Globo aliada do Serra, a tentativa de golpe já começa a rondar a oposição, TSE e mídia'".
4. Noblat, com o título Sobre um blogueiro ordinário, repete a notícia e o cometário, omite a introdução do Conversa Afiada, mas seleciona três comentários postados por internautas (às 18h17 havia 161 no total). Dizque "eles dão a medida do grau de irresponsabilidade do titular do blog, de sua parceria com gente insana, e por extensão do seu comportamento insano".
5. PHA não passa recibo do 'ordinário'. Treplica com Noblat tem razão: comentário é um despropósito. Admite que "o pente fino do Conversa Afiada falhou e pede desculpas a ele (Noblat) e aos leitores", avisando que os comentários foram tirados do ar.
Não há risco de golpe
E agora, o que interessa: Existe uma tentativa de golpe em curso? Há o perigo do TSE rejeitar o registro da candidatura Dilma, ou, pior, impedir sua posse caso eleita?
Sustento que não. Não há perigo de um golpe no Brasil de 2010, um "terceiro turno" truculento, violentando a vontade dos eleitores, seja a partir das Forças Armadas ou pela via do Judiciário.
O que não impede que haja "golpistas", conhecidos e ativos: não no sentido de perpetradores de um golpe real, mas de levantadores de poeira golpista. Gente que, sentindo os votos lhes escaparem por entre os dedos, julga conveniente sacudir o espantalho de uma "solução extra-eleitoral", ainda que sem pé nem cabeça.
O texto da notícia da Folha e o comentário de Noblat enquadram-se, objetivamente, nesta categoria. Paulo, o internauta que escreveu a PH, forçou a barra quando falou em "tentativa de golpe".
Noblat e a Folha falam para os seus leitores. Na ùltima enquete do Blog do Noblat (número das 21h07), uma maioria de 50,4% achava que na próxxima rodada de pesquisas o oposicionista José Serra (PSDB) abrirá "uma vantagem sobre Dilma". O Datafolha revelou no último dia 3 que Serra tem 54% dos votos dos leitores da Folha, contra 18% de... Marina Silva (PV) e 15% de Dilma. O jornal e o blogueiro oferecem a seu público o consolo de que a candidata de Lula, se vencer (como aponta a curva das pesquisas junto ao conjunto do eleitorado), o fará não só com o voto dos nordestinos, dos pobres, dos pouco escolarizados, o que para certa gente é um acinte, mas também graças a atos ilegais, abusivos, e unicamente porque "falta coragem" ao TSE. De quebra, turvam as águas, na medida do possível. Mas não a ponto de uma tentativa de golpe "de verdade".
Pressupostos de um golpe de Estado
Não há no Brasil de hoje as condições para um golpe de Estado. Este reclama antes de mais nada uma força armada que o imponha; além disso requer uma força política capaz de encabeçá-lo, a mobilização ativa ao menos uma fatia da opinião pública em seu favor e cobertura de mídia no sentido de justificá-lo.
No Brasil de 2010, o último quesito aparentemente está dado. Porém as Forças Armadas não dão o menor sinal de se prestarem a um tal papel (apesar dos resmungos esporádicos de um ou outro general de pijama). A oposição demotucana limita-se ao seu jogo de cena "judicializante". E a fatia da sociedade civil sob influência oposicionista está constrangida à defensiva pela popularidade do governo.
Não era bem assim no Brasil de 2005, no pico do 'Mensalão'. Em 2005, sim, a oposição conservadora chegou a cogitar a hipótese de um golpe. Mas mesmo então, fez as contas, consultou as pesquisas, mediu a temperatura das ruas – onde o "Fica Lula" prevalecia – e engavetou a ideia.
Tampouco era assim – vale a pena recordar – no Brasil de 1955, quando uma real tentativa de golpe quase impediu a posse do presidente eleito: Juscelino Kubitschek.
O golpe contra a posse de Juscelino
Apoiado pelo PSD, o PTB e o ilegalizado Partido Comunista do Brasil, JK vencera por pouco a eleição de 3 de outubro. Tivera apenas 400 mil votos de vantagem sobre o udenista Juarez Távora, e 36% do total (a eleição em dois turnos só surgiria 23 anos mais tarde). A UDN tentou impugnar o resultado. Alegou que seria preciso maioria absoluta, e que Juscelino vencera por ter apoio comunista. O presidente interino (pois Getúlio Vargas se suicidara e seu vice, Café Filho, adoecera), Carlos Luz, era udenófilo e apoiou a tese, com sustentação da Marinha e da Aeronáutica. Foi preciso o ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, por os tanques nas ruas do Rio para desmontar a trama.
Naquele tempo, sim, os golpes rondavam sempre o país. Os militares os consideravam quase como um direito, ou até um dever, e a direita civil os estimulava abertamente. Antes de 1955, houvera o golpe de 1937, o de 1945, o quase golpe que vitimou Getúlio em 1954. Depois, ainda haveria a tentativa de 1961 e por fim o Grande Golpe de 1964, que desandou em 21 anos de ditadura.
Três provas de fogo pós-ditadura
Um quarto de século depois do fim da ditadura, há sólidas evidências de que o Brasil é outro. A chamada Nova República passou por três provas de fogo – a doença e morte de Tancredo Neves (1985), o impeachment de Fernando Collor (1992) e a eleição de Lula (2002) – sem ameaças golpistas reais.
A eleição presidencial de outubro será a sexta de uma inédita sequência democrática ininterrupta. Graças a isso, o povo trabalhador e cidadão e eleitor pôde fazer um aprendizado que nunca antes lhe fora permitido. Um aprendizado difícil, tortuoso, por tentativa e erro, vivendo os resultados na própria carne, mas com evidentes resultados.
O tempo de Lacerda passou
A campanha deste ano será dura (espero que não "sangrenta", ao contrário do que disse ontem o presidente de honra do DEM, Jorge Bornhausen) e disputada. Ninguém pode predizer seu resultado. Porém não há espaço para nenhum desfecho da disputa que não seja o decidido em 3 de outubro (e em 24, caso seja preciso segundo turno) pelos 134 milhões de eleitores brasileiros, conforme o princípio do Parágrafo único do Artigo 1º da Constituição, de que "todo o poder emana do povo".
Até lá, com certeza vão se multiplicar na mídia notícias como a da Folha e comentários como o de Noblat. Prepare os nervos. Mas não serão tentativas de golpe e sim mera poeira golpista. Não impedirão que a candidata de Lula seja submetida às urnas e, se eleita, tome posse e governe.
Passou o tempo em que um Carlos Lacerda – 'o Corvo', mais tarde um dos complotadores contra a posse de Juscelino – podia vir a público com sua famosa tirada: “Getulio Vargas não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar” (1950).
Veja a íntegra da notícia da Folha que motivou a controvérsia:
Abusos ameaçam eleição de Dilma, diz procuradora
Sérgio Torres
A candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff (PT) à Presidência caminha para ter problemas já no registro e, se eleita, na sua diplomação.
A afirmação é da procuradora da República e vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, que avalia que esses problemas podem surgir se casos de desrespeito à legislação eleitoral continuarem na pré-campanha.
Cureau diz haver "uma quantidade imensa de coisas"; na pré-campanha de Dilma que podem ser interpretadas como abusos de poder econômico e político.
O Ministério Público Eleitoral está reunindo informações sobre os eventos dos quais a ex-ministra tem participado para pedir ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a abertura de uma Aije (Ação de Investigação Judicial-Eleitoral) por abuso de poder econômico e político.
Em tese, a Aije poderá resultar na negação do registro ou no cancelamento da diplomação pela Justiça Eleitoral, como já falou, há dez dias, o ministro Marco Aurélio Mello, do TSE.
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