"Onda verde" não existe
(Alera em Rede) Há fortes indícios que a necessária revisão do Código Florestal, em andamento no Congresso Nacional, irá para a guilhotina como uma das exigências para que a candidata Dilma Rousseff (PT) conquiste o apoio de Marina Silva (PV) e seus votos “verdes” para o segundo turno das eleições presidenciais de 2010. Além disso, a “plataforma programática mínima” que o Partido Verde vai apresentar em troca do apoio coloca também no corredor da morte a construção de novas centrais nucleares e até mesmo a da hidrelétrica de Belo Monte (que está prestes a ser iniciada), o que representaria, caso venha a se confirmar, um retrocesso energético, científico e tecnológico de pelo menos duas décadas para o país. [1]
O cálculo político feito pelo Partido dos Trabalhadores e coligados para aceitar tal retrocesso em um eventual governo Dilma se baseia, em grande medida, na premissa que a “onda verde” realmente ocorreu e foi responsável pela inesperada performance eleitoral de Marina Silva que arrebanhou quase 20 milhões de votos, o dobro do que as pesquisas apontavam. Essa premissa, porém, é falsa, como demonstram as primeiras análises isentas e mais acuradas sobre o pleito que começam a ser publicadas.
Segundo essas análises, não foi o voto “ambientalista” a principal causa que impulsionou a espetacular votação em Marina, mas uma conjugação de outros fatores associados, até agora, a uma espécie de rejeição a programas ou posições políticas dos dois candidatos que foram para o segundo turno, ou seja, o voto de protesto.
Dentre os temas arrolados como motivadores para esse voto de protesto desponta o aborto, uma sensível questão tanto para católicos quanto para influentes grupos evangélicos. Dito de outra forma, o fator religioso foi negligenciado, ou no mínimo subestimado, pelas campanhas eleitorais de Dilma e de Serra que acabaram o primeiro turno com votações abaixo das expectativas. De fato, o fator religioso foi captado pelos institutos de pesquisa nos últimos dias de campanha, mas já era tarde demais para qualquer mudança capaz de promover uma reversão no quadro eleitoral, principalmente na campanha de Dilma, de longe a mais afetada.
Contudo, uma abordagem para se entender corretamente o resultado dessa eleição transcende o fator religioso, por mais importante que seja. Deve, necessariamente, incluir o amálgama de ideologias, crenças e posicionamentos que formam os chamados “direitos humanos”, ou mais especificamente, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Como se recorda, em maio passado, o presidente Lula determinou que o PNDH 3 fosse alterado por causa do choque com produtores rurais (mediação prévia para reintegração de posse de terra), com militares (provocadas pelas referências diretas à repressão política e às violações aos direitos humanos durante o regime militar), do temor nos meios de comunicação quanto à liberdade de expressão (possibilidade de cassação de concessões de canais de radiodifusão, por causa da veiculação de material contrário aos direitos humanos), ou ofensa às convicções da Igreja Católica (como a descriminalização do aborto). Os confrontos foram temporariamente contornados, mas não resolvidos a contento e acabaram por emergir, mesmo de forma fragmentada, na campanha eleitoral. [2]
Trata-se de um assunto complexo e eminentemente cultural, que merece uma análise muito mais abrangente. Por isso mesmo, não tem sentido impor um enorme retrocesso energético ao país, como mencionado no início, em troca de "votos verdes" que só existem no imaginário de marqueteiros políticos.
Notas:
[1]PV pode atrelar apoio à revisão de Belo Monte, DCI, 05/10/2010
[2]Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH 3), Agência Brasil, 05/10/2010
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