Como se fosse uma noite das múmias no Recife, como uma reabilitação dos velhos tempos da ditadura, velhos oficiais, reformados, e comandos das três forças armadas vieram a público prestigiar o título de cidadão pernambucano ao antigo Coronel Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto, na Assembleia Legislativa de Pernambuco.
Por Urariano Mota*
No Jornal do Commercio desta quinta-feira se publicou:
“Em sessão solene antecedida por protesto do Fórum Permanente da Anistia, na área externa, e que teve o protocolo quebrado por um militante – retirado do plenário pela segurança da Casa –, a Assembleia Legislativa de Pernambuco entregou, ontem, o título de Cidadão de Pernambuco ao coronel reformado do Exército e ex-comandante da PMPE (1970/1974), Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto.
Em nota pública condenando o título – proposto pelo deputado e coronel da PMPE, Sebastião Rufino (PSB) –, o fórum acusa Vilarinho Neto de participar de um dos grupos de repressão de 64, “comandados pelo coronel Viloque e o major Ibiapina, do IV Exército, responsáveis por tortura em interrogatórios de presos políticos...
Do lado de fora, ex-presos políticos e jovens militantes do PCB e do PCR (Partido Comunista Revolucionário) e movimentos estudantis usavam o megafone para discursar e fazer a chamada de nomes de desaparecidos e mortos na ditadura, sempre respondida com um “presente” pelos demais. No desenrolar da sessão, um universitário e um secundarista entraram no plenário. O momento surpreendente e constrangedor aconteceu quando um dos estudantes quebrou o protocolo: “Em nome do Movimento de Direitos Humanos, peço ao coronel Vilarinho que contribua com o processo de redemocratização, defenda a abertura dos arquivos militares para o esclarecimento do que ocorreu com os desaparecidos”, conclamou, sendo interrompido e retirado do plenário pela segurança”.
Sobre essa noite de quarta-feira, o ex-preso político Cajá assim escreveu em depoimento:
“Acho que ‘o tiro’ do cel. Joaquim Vilarinho Neto ‘saiu pela culatra’.
Lá dentro do plenário da Assembleia havia a maior concentração de militares das três armas e da PM, com a Tropa de Choque, por metro quadrado já vista nos últimos tempos. Do outro lado, bem na entrada do portão principal, por onde passava uma grande parte dos convidados, estávamos nós, umas 60 pessoas, entregando o panfleto assinado pelo Centro Cultural Manoel Lisboa, Associação Pernambucana de Anistiados Políticos e o Fórum Permanente da Anistia em Pernambuco.
Enquanto isso, de megafone na mão, inicia-se o nosso ato de protesto com a leitura do referido panfleto e a chamada dos nossos mortos e desaparecidos políticos: Manoel Lisboa, David Capistrano, Odijas, Humberto Câmara Nero, Ramires Maranhão, Eduardo Colier, Manoel Aleixo...A ordem dos oradores: presidentes das entidades presentes o CCML, APAP, DCEs, UEP, Uespe, PCB, PCR, PSOL. Eis que de repente inicia-se um corre-corre dos militares, que nos cercavam, rumo ao plenário. Era que Thiago Santos, militante do PCR, tomou a palavra, e sem microfone, com vozeirão, quebrando o protocolo, bem pertinho do púlpito, iniciou um discurso, a pleno pulmões dizendo: "este cidadão, que acaba de ser homenageado, deve prestar esclarecimentos sobre as torturas, mortes, ocultações de cadáveres de Manoel Lisboa, David Capistrano..."
Ao ouvir o nome de David Capistrano, que havia sido deputado na Assembleia, o presidente da solenidade, deputado Guilherme Uchoa, ligou a sirene e um grupo de militares fardados e à paisana agarraram e arrastaram Thiago, aos empurrões e imobilização do seu braço, até fora do portão. Iam jogá-lo à calçada. Então, partimos para arrancar o Thiago das mãos dos policiais e mudamos o rumo da agitação e passamos a palavra pro Thiago, que passou a denunciar, do lado de fora, a atitude repressiva no interior da Casa dita do povo , e a contar tudo o que se passava lá dentro.
Lá dentro estavam os carrascos, colegas de farda, na reforma, entre eles o então Major em 1964 Gabriel Antonio Duarte Ribeiro. Eles, com as mãos sujas de sangue dos heróis da liberdade e do socialismo. Cá fora os que sustentavam a bandeira honrada dos que tombaram heroicamente. Lá, militares apavorados pelo peso da culpa dos seus crimes do passado, cá uma larga maioria de jovens universitários, secundaristas e trabalhadores, dirigentes da luta pela abertura dos arquivos da ditadura. Lá, um batalhão de jornalistas e fotógrafos e cá só dois jornalistas Airton Maciel e Jailson (JC e DP) e mais dois fotógrafos e um radialista Saulo Gomes.
Registro um incidente com o bravo advogado Jesualdo Filho. Fotografado por um indivíduo metido em paletó, e advertido de que tal fotógrafo não era da imprensa, exigiu que o “repórter” se identificasse e excluísse a sua foto, sob a justa alegação de direito à própria imagem. No que foi atendido pelo possível funcionário da segunda seção, que na sua presença queimou a foto. Registre-se ainda que por vários momentos oficiais militares quiseram cortar a nossa palavra, ameaçando partir pra porrada em cima da nossa militância. Não o fizeram, porque iria melar mais ainda, em frente ao público, a sua homenagem ao torturador.
Enfim, botou-se água no chope dos torturadores. Ficou o alerta, e se voltarem a homenagear torturadores, voltaremos cada vez mais com mais força, com um protesto maior”.
*Jornalista, escritor pernambucano e colunista do Vermelho.
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