segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Padre Marcelo Rossi em guerra com os bichanos

Carlos Pompe *
 
Ao convocar suas ovelhas para uma missa celebrando Francisco de Assis, que os cristãos creem ser protetor dos animais e da natureza, o padre Marcelo Rossi pediu que seus seguidores não levassem animais ao seu templo. Os que quisessem que o religioso  abençoasse seus bichos de estimação, que os deixassem ao lado de um rádio sintonizado na cerimônia. Mas fez uma exceção, o pregador de orações medievais: “menos os traiçoeiros gatos”.

Desta feita, mais que suspiros de algumas mocinhas e garotos, beatas e beatos, o padre pop provocou a indignação, em especial de pessoas que têm nos gatos o animal de estimação preferido. Até uma petição pedindo retratação pública do religioso, que pode ser assinada aqui: http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N15010.

Assim como sua fé em divindades, a ojeriza do sacerdote aos gatos também tem sua origem no misticismo que acompanha a humanidade, na busca de melhor compreender o mundo em que existimos. No caso de gato, há milhares de anos inspira apreço ou aversão. Tanto o Dicionário de Símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, quanto O grande livro dos símbolos, de Jack Tresidder, tributam essa relação passional à atribuição ao felino de características humanas.

Atuação furtiva, clarividência, desconfiança e poder de transformação (por dilatar as pupilas, desembainhar ou esconder as garras, mudança repentina de comportamento), agilidade, vigilância, sensualidade, malícia, liberdade (por sua capacidade de locomoção mesmo em lugares inóspitos), dentre outros, são qualidades imputadas aos felídeos.

No Egito, Bastet, com seu corpo de mulher e cabeça felina, era a deusa da fertilidade, protetora das mulheres grávidas, associada ao prazer, fertilidade e proteção. Freia, deusa nórdica da do sexo e da sensualidade, fertilidade, do amor, da beleza e da atração, da luxúria, da música e das flores, mãe da dinastia de Vanir, em algumas representações é puxada, numa carruagem, por gatos, ou tem um gato aos seus pés. Para a tribo pawnee, norte-americana, o gato é sagrado e representa a sagacidade, só podendo ser morto com finalidade religiosa. Já na África Central, algumas tribos ainda fabricam sacolas de remédios exclusivamente com pele de gato – os brasileiros, musicais, preferem sua pele para tamborim. Na China antiga, era animal benfazejo; no Camboja, são engaiolados e levados de casa em casa, em procissão, no período de seca, para atrair chuva. Para alguns povos árabes, são Djins, entidades superiores aos homens, mas inferiores aos anjos, podendo ser benéficos ou maléficos. Entre os mulçumanos, são benéficos, desde que não sejam pretos. Na Cabala e no budismo indicam o pecado, o abuso dos bens terrestres – aliás, os budistas dizem que os gatos e as serpentes foram os únicos animais que não lamentaram a morte de Buda.

Quando preto, o gato é mais associado ao mal, à obscuridade, à morte. No Japão, indicam mau augúrio (crença também de muitos povos ocidentais) e podem tomar a forma de mulher. Há quem sugira que essa crença nipônica estaria na gênese de mulheres bonitas, sensuais e atraentes serem chamadas de gatas. Os ingleses têm a expressão cat-o’-nine-tails para significar mulher rancorosa, malévola, e an old cat, gata velha, para designar pessoa falsa.

Não faltam mitologias para explicar os arrepios que o gato causa no pastor católico. No Antigo Testamento, numa de seus muito acessos de fúria contra a humanidade, Deus maldiz uma região onde “se encontrarão cães e gatos selvagens, e os sátiros chamarão uns pelos outros; espectro noturno frequentará esses lugares e neles encontrará o seu repouso” (Isaías, 34, 14). Em  Baruc 6,21, Jeremias, em carta aos deportados para a Babilônia, narra que Deus, sempre ciumento e invejoso, fará com que gatos saltem sobre o as estatuetas de outros deuses.  Na Idade Média, quando o terror da Igreja Católica era a lei, o gato era perseguido, identificado com as bruxas que tanto atemorizavam e concorriam com o clero com suas poções medicinais.  

Se o sacerdote-cantor realmente acredita na realidade de seus mitos, que se acautele, portanto. Como diz a plebe ignara e rude, “cara de beato, unha de gato”.

Sejamos gatos pretos e de todas as cores também no twitter: @Carlopo

* Jornalista e curioso do mundo.

 

 

 

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