quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Governo Alckmin decreta guerra aos pobres de São Paulo

“Me sinto um lixo”, diz ex-moradora de prédio da São João

 

Diferentemente das cenas de violência que marcaram a desocupação da comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos (interior de São Paulo), a retirada de cerca de 230 famílias — aproximadamente 400 pessoas — que moravam em um prédio de três andares na esquina das avenidas Ipiranga e São João, no centro da capital paulista, aconteceu pacificamente.

De São Paulo, Mariana Viel



Luiz Guarnieri/AE

Desocupação deixa cerca de 400 pessoas sem teto em São Paulo 

A semelhança entre os dois lamentáveis episódios é o descaso e a incapacidade do poder público em abrigar, realocar e dar dignidade a essas famílias. Na manhã desta quinta-feira (2) a reportagem do Vermelho acompanhou a desocupação. Enquanto assistiam atentos à retirada de seus poucos bens – colchões, pequenas cômodas, alguns fogões e geladeiras e demais utensílios domésticos – os moradores tentavam se organizar para manter a unidade do movimento.

A falta de perspectiva de famílias inteiras (jovens, crianças e idosos) colocadas na rua de uma das capitais brasileiras com o maior PIB do país é desoladora. Segundo uma das coordenadoras da Frente de Luta por Moradia, Carmen da Silva Ferreira, o destino das famílias será as ruas do centro da cidade. “O que vamos fazer é nos mudar para a calçada. Hoje quem está morando na rua não é apenas o andarilho. O perfil de quem vai pra rua hoje são as famílias de trabalhadores que não aquentam mais pagar aluguel”.

Carmem diz que os moradores permanecerão juntos até uma solução definitiva para todos. “Este imóvel estava desocupado, sem nenhuma função. As famílias que aqui estão são formadas por trabalhadores de baixa renda, que não querem nada de graça, mas sim pagar por uma moradia digna. A vontade da Prefeitura é que a gente se espalhe, mas somos um movimento organizado e vamos permanecer juntos”.

Ela relata que o perfil dos ex-moradores do prédio era formado por famílias de trabalhadores de baixa renda — que recebem até três salários mínimos por mês —, que trabalham na região e que não têm condições de pagar aluguel. Para muitas dessas famílias esse não foi o primeiro despejo.

“As pessoas acham que nós queremos tudo de graça, mas não é verdade. Quem ganha de um a três salários mínimos ou paga o aluguel ou come. Queremos pagar a nossa moradia e comer”.

Lixo social

“Me sinto um lixo. Como se sente uma pessoa que tem família, que quer buscar o melhor para a sua família e é tratada assim? Moramos em uma das maiores metrópoles do mundo. No estado que talvez gere mais renda para o Brasil e sou tratada como nada. Essa é a realidade. Somos tratados como nada”, desabafa a diarista Jussamara Leonor Manuel

Jussamara conta ainda que a Prefeitura alega que o grupo não está em situação de emergência e por isso deve respeitar uma fila antes de receberem atendimento. “Não somos vagabundos, nem desocupados. Somos trabalhadores de baixa renda. A Prefeitura não nos atende e nos coloca no meio da rua.Uma pessoa que está morando na rua já está em situação de emergência. Entendo que direito não tem fila”.

“Vamos ficar juntos para não enfraquecer a nossa luta. A Prefeitura tem uma determinação judicial que não foi respeitada. Mas se é um trabalhador que comete algum crime ele vai preso, não acredito que vai acontecer nada com o governo porque a gente coloca eles lá, e eles governam para eles mesmos. Se o governo de São Paulo uma política de habitação que funcionasse isso não estaria acontecendo”.

Apesar do descaso, a diarista diz que mantém as esperanças. “Quando a pessoa deixa de acreditar nela, na força que ela tem, quando ela começa a não ver motivos pra viver daí nada mais faz sentido. Sem esperança não se vive, se morre”.

Liminar

Na semana passada, o Ministério Público de São Paulo conseguiu na Justiça uma liminar que obrigava a Prefeitura a providenciar abrigo de todos os moradores de prédios abandonados, ocupados pelo movimento popular “Frente de Luta por Moradia” na Avenida São João.

Ao analisar o pedido de liminar na ação civil pública proposta na segunda-feira (16), o juiz da 14ª Vara da Fazenda Pública, entendeu que “a desocupação, com o cumprimento da liminar, sem que a municipalidade dê garantia mínima aos desalojados de atendimento às suas necessidades básicas, que garantam o mínimo existencial de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, estampado no inciso III, do art. 1º, da Constituição Federal, representa violação aos direitos fundamentais do indivíduo e que deve ser coibido”.

Em nota, enviada na manhã desta quinta-feira, a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) informou que a Prefeitura já "colocou à disposição das famílias abrigo municipal e realizou a listagem de todas elas para posterior cadastramento e inclusão em programas habitacionais". Disse também que uma decisão judicial, emitida na quarta-feira (1º), suspendeu os efeitos da liminar anterior, que determinava o atendimento habitacional definitivo aos ocupantes do imóvel, sob pena de multa.

“A Justiça entendeu que garantir moradia no centro, como reivindica a FLM (Frente de Luta por Moradia), seria injusto com os munícipes cadastrados na Cohab, que somam cerca de 1 milhão de famílias, que também aguardam moradia, mas nem por isso ocuparam imóveis particulares”, completa o texto.

Enquanto uma a reportagem do Vermelho esteve no local da desocupação não foi possível encontrar nenhum representante da Secretaria de Habitação da Prefeitura. Segundo informações, a Prefeitura estava representada apenas pela Guarda Civil Metropolitana.

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