quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Novo cenário eleitoral exige luta e politização

A entrada de José Serra na disputa pela Prefeitura de São Paulo provoca uma reviravolta no cenário político e nacionaliza antecipadamente a disputa pelo comando da maior cidade do país.

Por José Reinaldo Carvalho*


Para quem já foi duas vezes fragorosamente derrotado em suas pretensões de chegar ao Palácio do Planalto e se encontrava isolado mesmo entre seus pares, ostentando elevados índices de rejeição junto a signficativas parcelas da opinião pública, é uma última cartada, de alto risco, pela sobrevivência política.

A pior vicissitude de Serra, desde que perdeu a última eleição em 2010, era o entrincheiramento e o isolamento na vida política em geral e entre os cardeais do PSDB. Acossado entre o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador mineiro Aécio Neves, seus espaços se reduziam. Sem mandato, atuando nos bastidores e por meio de mensagens políticas de Twitter e colunas de opinião nos jornais conservadores, Serra corria o risco de se tornar em definitivo um “ex”: ex-prefeito, ex-governador, ex-candidato derrotado à presidência. Podia, claro, ainda tentar algo como benemérito do Palmeiras, mas aí também a realidade não lhe sorri, haja vista o prolongado período de baixa que atravessa o clube do Parque Antártica.

Serra é calculista e sabe que está fazendo jogo perigoso, que a batalha será difícil e pode resultar no encerramento inglório de sua carreira política, caso sofra uma derrota em outubro-novembro. Mas não lhe restava outra saída. A permanência da situação em que se encontrava era a morte antecipada.

As forças conservadoras brasileiras, especialmente o PSDB e o DEM, têm vivido um processo de decadência, enfraquecimento e isolamento que, somado às desmedidas ambições dos seus diversos caciques, levaram-nas à fragmentação. Especialmente em São Paulo, esta fragmentação sedimentou posições no jogo da afirmação de identidades e preservação de postos que gerou a ilusão da irremediável separação em campos opostos. As maiores expressões disto foram o antagonismo Alckmin – Serra e a emergência de Gilberto Kassab, afilhado político deste último, com seu PSD, que não é um fenômeno original nem renovador, porquanto a maioria dos seus componentes são egressos do velho PFL (DEM) e de outras legendas que representam o conservadorismo.

Isto gerou duas ilusões. A primeira foi a de que, irremediavelmente divididas, as forças neoliberais e conservadoras seriam também inapelavelmente banidas no pleito municipal, bastando que para isso se fizesse uma “genial” jogada de atrair para o campo da esquerda uma parte do conservadorismo. Para justificar a manobra “tática”, até argumentos abstrusos foram lançados, como a analogia entre o que se pretendia fazer agora com a aliança vitoriosa de Lula com Alencar em 2002 e 2006. Não se queria, para legitimar o argumento, admitir o óbvio, que o próprio prefeito paulistano fazia questão de explicitar: “Sou Serra”, repetia ele à exaustão.

A segunda ilusão foi a de que o alcaide tinha condições políticas para liderar um novo campo político, a terceira via, que contornasse a polarização PSDB – PT. Hoje a terceira via é tão invisível quanto o atual futebol da seleção brasileira, embora este último ainda possa ressurgir.

Kassab não tinha condições para tal empreitada, não apenas por uma questão de fidelidade ao seu padrinho, mas pelo DNA político-ideológico. Mesmo com todos os méritos que tem como um político emergente dotado de atributos que faltam a muitos dos seus pares de partido e coalizão, como a transparência – que revelou ao nunca negar que é do Serra – e a convivência política democrática civilizada, além de uma atitude correta para com a liderança nacional do ex-presidente Lula e o governo da presidente Dilma, Kassab não está credenciado a liderar um campo progressista em São Paulo e no país, nem uma terceira via que fosse alternativa a qualquer coisa.

O “centrismo” que reivindica é nada mais do que uma forma hábil de situar seu conservadorismo reciclado e uma tentativa de dar à sua formação política um verniz mais brilhante em face da opacidade do PSDB e do DEM. Um jeito novo de apresentar o velho. Reconheça-se a sua habilidade. As piruetas que fez acabaram confundindo setores progressistas – que agora estão balbuciando explicações sobre o fim das tratativas para uma aliança eleitoral – e serviram como repto às forças conservadoras para que se unificassem na batalha por São Paulo por cima das ambições individuais e de grupos.

É a isto que vem Serra, em socorro a um projeto neoliberal e conservador que está naufragando. Na carta em que postula sua candidatura ao PSDB, ele dá o tom que pretende seja o da sua campanha. Justificou sua postulação nos seguintes termos: “Refleti sobre a situação do país, os dissabores que o processo democrático tem enfrentado diante do avanço da hegemonia de uma força política”. Apresentou a luta eleitoral em São Paulo como um embate entre “duas visões distintas de respeito aos valores republicanos”. E apontou a projeção da contenda: “É aqui, neste ano, que se travará uma disputa importante para o futuro do município, do estado e do país”. Com isso, Serra demarca o seu território – o da direita – e forma seu campo, no interior do qual continuarão existindo contradições relativamente às batalhas posteriores pelo governo estadual e a Presidência da República. No momento, é funcional aos seus interesses a aliança com seu desafeto Alckmin e demais facções do PSDB. O futuro dirá se ele permanecerá no ninho ou se, caso seja vitorioso, constituirá um campo partidário próprio tendo como base o PSD de Kassab.

Todo mundo entendeu o recado de Serra. O primeiro a sacar conclusões para sua campanha eleitoral foi o candidato do PMDB, o ex-tucano e ex-secretário do governador Geraldo Alckmin Gabriel Chalita, que promete atacar Serra e Kassab durante a campanha deste ano.

E a esquerda, as esquerdas, com suas distintas candidaturas, que postura adotarão? Não há terreno de conciliação com o Serra e seu programa. Para crescer, acumular forças e favorecer a ida de um candidato da esquerda ao segundo turno em condições de derrotar Serra e seus aliados, a plataforma deverá ser de combate, politizada e, sem perder de vista os angustiantes problemas locais, nacionalizada, uma vez que os graves problemas urbanos das grandes cidades brasileiras só podem ser enfrentados no quadro de um plano nacional de desenvolvimento, com cariz democrático e popular, conduzido por forças progressistas.

Aí está o busílis da questão para as esquerdas. A envergadura da batalha requer luta, referenciada numa plataforma nacional de reformas democráticas estruturais, para além da limitadíssima agenda governamental e legislativa que tem sido cogitada.

Enfrentar as pressões conservadoras e neoliberais, mudar o eixo da política macroeconômica, quebrar o monopólio da mídia pelos grupos da grande burguesia nativa e internacional, posicionar corretamente o Brasil no mundo, no campo oposto ao do imperialismo, ao lado dos povos e dos novos polos contra-hegemônicos, promover as reformas políticas e sociais importantes como a agrária, a urbana, do sistema educacional, de saúde, distribuir renda, valorizar o trabalho e fugir às pressões e tentações da agenda neoliberal e privatista são os inarredáveis desafios com que se depara a esquerda neste momento.

*Editor do Vermelho

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