Ninguém
fala mais nada sobre o escândalo protagonizado pelo ministro Gilmar
Mendes e o ex-presidente Lula. A mídia, sobre o escândalo, preocupa-se
em informar e analisar novos e diferentes fatos.
O estranho foi ter passado batido uma ocorrência assustadora, ou seja, o uso político da toga.
A propósito, minha opinião foi parar no sítio do Conselho Nacional de Justiça e é a seguinte:
Na
manhã de 26 de abril houve em Brasília, especificamente no escritório
do ex-ministro Nelson Jobim, uma reunião de cunho privado com a
participação de três personagens da vida político-partidária brasileira.
Atenção: da vida político-partidária. O anfitrião Jobim recebeu Gilmar
Mendes, fora de função pública e em encontro particular e reservado, e
Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República.
Os
três admitem o encontro e divergem no restante. Frise-se: nem Jobim nem
Lula ocupam cargos públicos. Portanto, Mendes é o problema. Aliás, um
grande problema ainda não exposto pela mídia. Tudo por causa da sua
proibida, frequente e intensa atividade política. Pela Constituição,
“aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária” (art.
95, parágrafo único, II).
Leia
também: Andante mosso: Mexa-se, Supremo Paulo Lacerda: “Gilmar Mendes
está exaltado, sem controle” Lula: “Preciso tomar cuidado com quem não
gosta de mim”.
Além
de noticiadas incursões eleitorais em Diamantino (a família domina a
política em sua terra natal e o ministro participa de campanhas), não
deve ser esquecido o fato de Mendes, em setembro de 2010, ter sido
flagrado a atender telefonema de José Serra, então candidato à
Presidência pelo PSDB. Isso quando presidia no STF uma sessão que
analisava as exigências de documentos de apresentação necessária para o
exercício do direito de voto. Pelo noticiado, Serra estava interessado
em adiar o julgamento.
Segundo
Jorge Bastos Moreno, colunista de O Globo, Mendes saiu da reunião do
escritório de Jobim em abril e rumou para outra com integrantes do
Democratas e o seu líder maior, José Agripino Maia. Por ter deixado o
partido, não estava presente o senador Demóstenes Torres. Nos últimos
dias, Torres tem sido tratado por Mendes como um mero conhecido.
Amizade, jamais. Pelo ministro do STF ao certo o senador não seria
avisado nem sobre o último trem de Berlim.
Passado
um mês da tal reunião no escritório de Jobim, Mendes resolveu contar à
revista Veja a versão a respeito do transcorrido e destacou sua
indignação com Lula, que teria tentado chantageá-lo ao propor o
adiamento do julgamento do processo conhecido por “mensalão” em troca de
uma “proteção” na CPI do Cachoeira. A “blindagem” seria sobre um
encontro em Berlim, com a insinuação de que a viagem havia sido
patrocinada pelo contraventor que dá nome à comissão parlamentar. Não
tivesse o STF se colocado acima do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
Mendes certamente responderia por comportamento ético incompatível com o
cargo. Encontrar com Cachoeira, secundado por Torres, seria
comprometedor em qualquer lugar.
Jobim
e Lula negaram qualquer pressão ou chantagem sobre o ministro. Até um
bacharel em Direito não aprovado em exame da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) sabe que o STF é um órgão colegiado e não monocrático.
Trocando em miúdos e no popular, o Supremo não é só Mendes. Este, por
suas trapalhadas, prejulgamentos e protagonismos incompatíveis com a
conduta de um juiz togado, não possui apenas Joaquim Barbosa como
opositor entre seus pares. Mas o ex-presidente do tribunal conta, desde o
episódio das liminares dadas ao banqueiro Daniel Dantas e contra o
previsto em súmula, com o apoio do decano Celso de Mello, que, em
relação à suposta chantagem, conjecturou situações a condenar de antemão
Lula, como se verdadeira fosse a versão do colega de corte e mendazes
as duas outras.
O
atual presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que marca a pauta, já se
comprometeu a colocar o mensalão em julgamento este ano e o revisor,
Ricardo Lewandowski, de apressar o seu trabalho. Até o rito
procedimental no dia do julgamento foi recentemente acertado.
Na
construção do espetáculo de circo mambembe promovido por Mendes não
faltaram referências ao ex-ministro Sepúlveda Pertence e ao respeitado
professor Bandeira de Mello, como se esses tivessem agido como laranjas.
Até agora não se sabe se Lula cogita processar o ministro do STF,
criminalmente por ofensa à honra e civilmente por dano moral.
Objetivamente
e referente à partida que quis jogar, Mendes perdeu por 2 a 1, ou seja,
sua versão restou isolada. Apesar de se dizer indignado, o ministro
silenciou por 26 dias. Um magistrado do STF, ou qualquer juiz, deve logo
transmitir uma notícia-crime que o envolva à presidência do seu
tribunal, ao Ministério Público e até à polícia. No STF, em nenhuma
sessão administrativa, na parte reservada, ele relatou o sucedido na
reunião. Conforme noticia CartaCapital nesta edição, ele só procurou o
presidente Ayres Britto às vésperas da publicação da “reportagem” de
Veja.
Mendes
diz ter comunicado o fato ao procurador-geral da República, Roberto
Gurgel, que, pelo jeito, colocou o relatado na mesma gaveta onde por
mais de dois anos permaneceram os autos do inquérito policial relativo à
Operação Vegas.
Com
a credibilidade posta outra vez em dúvida, o ministro começou a mudar a
versão e a pressão de Lula virou uma “conversa normal”. Segundo suas
próprias palavras, “visões diferentes e sinceras. É natural que ele
possa ter uma avaliação, um interesse de momento de julgamento”.
Nas
24 horas posteriores à nota de Lula e às declarações de Jobim, algumas
estranhezas chamaram a atenção. Mendes usa de diversionismo ao procurar
tirar de foco o encontro em Berlim com Cachoeira. Para isso, foca na
questão do financiamento da viagem. Ele garante ter pago, mas o valor
parece ter sido quitado pelo STF. E o pagamento por aulas ministradas em
Granada, na Espanha, onde o ministro afirma ser professor, aponta para
despesas de viagem de natureza particular e que deveriam ser pagas pela
instituição de ensino espanhola ou pelo professor. Fora isso, existe a
despesa da viagem da Espanha a Berlim para visitar a filha. Assim, nada
pode ficar encoberto pelas sombras do Portão de Brandemburgo.
As
acusações de Mendes foram num crescer. Sem dizer nomes, o ministro
sustentou que bandidos e gângsteres atuam em favor dos réus do mensalão.
Com esse destempero, o ministro se colocou em situação de impedimento
para julgar. Acabou por desqualificar os réus ao ligá-los a “gângsteres e
bandidos que tentam melar o julgamento do mensalão”.
Numa
obra clássica intitulada Essere Giudice Oggi (Ser Juiz Hoje), o jurista
e magistrado Piero Pajardi define um juiz: “Consciência crítica da
sociedade” que não pode “transigir com respeito à sua imparcialidade”.
Mendes, os ministros do STF e os interessados na verdade deveriam
refletir a respeito.
Wálter Fanganiello Maierovitch
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