O ministro do STF segue o roteiro traçado pela mídia conservadora e pela direita e usa, no envelope de seu voto, o idioma dos antigos dominantes, o inglês. Lá está escrito Last Act - Bribery que, em português, significa “Ultimo ato - corrupção ativa”
Por José Carlos Ruy
Foi com certeza involuntariamente que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, acabou deixando escapar a ansiedade da mídia conservadora e da direita em torno do julgamento da Ação Penal 470, chamada de “mensalão”. Ele torce para que haja repercussão na eleição do próximo domingo, favorecendo, é claro, a direita e os conservadores. "Não sei. Isso aí as urnas dirão se haverá alguma repercussão. A meu ver, era bom que houvesse", deixou escapar para um repórter, em Brasília.
É uma confissão clara: o esforço todo tem natureza política e busca conseguir alguma repercussão eleitoral. Nesse sentido, a mídia conservadora (o PIG, Partido da Imprensa Golpista, como é conhecida) deve estar exultante. O script longamente acalentado começou a ser cumprido na tarde desta quarta-feira (3), quando o ministro relator do processo, Joaquim Barbosa, começou a ler o seu voto e cumpriu o roteiro esperado, acusando José Dirceu e outros quadros políticos, como o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro Delúbio Soares. Joaquim Barbosa confirmou a acusação feita pela Procuradoria Geral da República (PGR), indicando José Dirceu como o chefe de uma quadrilha de compra de apoio político no Congresso.
Ele viu, nos autos, provas de reuniões e contatos entre o ex-ministro da Casa Civil do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, com outros acusados naquele processo. “Tudo dependia de Dirceu”, foi a acusação de Gurgel ecoada por Joaquim Barbosa. O próprio envelope entregue por um assessor ao ministro Barbosa recende a pré-julgamento: nele estava escrito não em português (como se espera em atos oficiais no Brasil, cumprindo aliás a Lei de Defesa do Idioma), mas Last Act - Bribery, em inglês (Último ato - corrupção ativa, em português).
O relator Joaquim Barbosa acusou José Dirceu de ter sido "o principal articulador político" do esquema de compra de apoio no Congresso, "e se ocupou dessa função de modo intenso". E deu uma pista da origem de sua convicção: afirmou ser "fato público e notório" o envolvimento direto de Dirceu na articulação, embora se refira também ao "conjunto das provas” que, em sua opinião, “coloca o então ministro em posição central, (...) como mandante das promessas de pagamentos indevidos aos parlamentares". Estas provas seriam reuniões realizadas entre o então ministro e outros acusados, baseando sua decisão de acusá-lo também na observação da sequência dos fatos no tempo. Ele detalhou, em seu voto, encontros que teriam ocorrido na Casa Civil entre Dirceu, Valério, Delúbio e outros acusados, como representantes do Banco Rural. E justificou: "O problema não é o ministro receber diretores de instituições financeiras, mas sim o contexto com que se deram essas reuniões", disse. Ele se referiu a negociações ocorridas antes de votações importantes para o governo, como reforma tributária. Elas ocorreram, disse, logo depois de empréstimos firmados pelas agências de Marcos Valério, acreditando existir uma relação direta entre estas negociações e o resultado das votações no Congresso. E disse: “No meu sentir, essa cronologia, também evidencia ter havido promessa de repasses a líderes que, posteriormente, receberam vultosos repasses”, uma frase que deixa claro o subjetivismo em seu julgamento (“no meu sentir”, disse).
São acusações que a defesa de José Dirceu nega. Nega que tenha sido o "chefe" daquele suposto esquema, que tenha existido a compra de votos e diz não haver “prova, elemento, circunstância que incrimine" para acusá-lo. Em artigo publicado nesta quarta-feira (3) no jornal Folha de S. Paulo, os advogados de defesa de José Dirceu, José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall'acqua, sustentam a "improcedência das acusações relativas a alguns dos episódios utilizados pela acusação”. A defesa de Dirceu repudia, "com base em sólidas provas, cada uma das acusações apresentadas contra o ex-ministro pela Procuradoria Geral" e que sendo o STF o "guardião da Constituição", deve zelar “pelo princípio da fundamentação dos atos decisórios, o que pressupõe que os indícios acusatórios devem ser adequadamente confrontados com as provas apresentadas pela defesa".
Os advogados lembraram ainda a afirmação da ministra Carmem Lúcia, de que "para a condenação, exige-se certeza, não bastando a grande probabilidade". E também a conclusão dos advogados Oliveira Lima e Dalla'acqua segundo a qual, "ao final de uma ação penal em que o próprio procurador-geral da República reconheceu dispor de 'provas tênues' contra o ex-ministro da Casa Civil, a justa absolvição de José Dirceu não é pleiteada com base no princípio in dubio pro reu, mas sim na certeza que existem provas mais do que suficientes da sua cabal inocência".
A leitura do voto de Joaquim Barbosa é motivo de festa para o PIG, a direita e os conservadores que se expressam através dele. Mas é uma festa frágil, que só tem consistência quando se leva em conta que o que está ocorrendo em Brasília não é um julgamento que segue ao pé da letra o que está determinado nos códigos que regem o sistema judiciário, mas é um julgamento de exceção, cujo roteiro de processo, validação das provas, condenação e execução foi predeterminado pela direita e por sua imprensa conservadora.
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