terça-feira, 13 de novembro de 2012

É nula a decisão que condenou Zé Dirceu

Por Pedro Maciel


"Unsicherheit" é um termo alemão que funde experiências como incerteza, insegurança e falta de garantia.

Penso que alguns aspectos da decisão do STF em relação ao “mensalão”, como a injustificada e equivocada aplicação da “Teoria do Domínio do Fato”, nos colocam num estado de unsicherheit e de profunda tristeza.

E não foi por falta de aviso. O Ministro Ricardo Lewandowski disse em quatro de outubro que se Claus Roxin fosse chamado, sua tese "poderia ser aplicada ao caso presente", em referência à Ação Penal 470 ele diria que não. Lewandowski, demonizado pelos milicianos da direita travestidos de jornalistas foi contestado por três ministros. Passado apenas um mês o jurista alemão critica o "mau uso" da teoria em entrevista ao jornal Folha de SP.

Claus Roxin é o jurista alemão que criou e aperfeiçoou a “Teoria do Domínio do Fato”, teoria que possibilitou a condenação sem provas do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Ele teria manifestado preocupação com o alcance indevido que alguns juristas e certas cortes de justiça, em especial o Supremo Tribunal Federal alemão, estariam dando a sua teoria, especialmente ao estendê-la a delitos econômicos ambientais, sem atentar que os pressupostos essenciais de sua aplicação que o próprio Roxin havia estabelecido, dentre os quais a fungibilidade dos membros da organização delituosa.

No caso do mensalão a “Teoria do Domínio do Fato” não poderia ser aplicada, pois não há fungibilidade porque os réus são nominados, identificados, eles têm nome, RG, endereço, não há uma razão, a meu ver, para se aplicar a teoria do domínio do fato. Não há porque aplica-la, não há uma situação excepcional, como uma guerra por exemplo.

Roxin foi contundente e afirmou que “Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido ordem. Isso seria um mau uso.”, ou seja, ninguém poderia ser condenado apenas pela sua posição hierárquica, porque a “posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter de saber não basta. Essa construção [“dever de saber”] é do direito anglo-saxão e não considero correta. (...)”.

Noutras palavras, Zé Dirceu, herói de uma geração, foi condenado pela pressão de setores da mídia sobre os ministros do STF e isso, data vênia, não corresponde ao Direito.

Tenho refletido muito sobre a questão da liberdade e dos direitos e garantidas individuais, motivado especialmente sobre a recente relativização do Principio in dubio pro reo, princípio de Direito Processual Penal que recomenda ao juiz, na incerteza quanto à materialidade ou à autoria da infração, absolver o réu.


Bem, chego à conclusão que eles [a liberdade e os direitos e garantidas individuais] só podem ser garantidos coletivamente, ou seja, através da Politica. Por quê? Porque eles estarão sempre e apenas subordinados ao interesse coletivo.


O interesse coletivo é definido através da Polity (normas constitucionais e princípios), da Politics que decorre do legitimo e legitimador “jogo político” (são as leis complementares e leis ordinárias) e da Policy que emerge como resultado do “jogo político” (são as normas de Direito administrativo, são as políticas públicas) e não das decisões do Poder Judiciário, especialmente porque elas [as decisões] também estão subordinadas a eles, sob pena de nulidade das mesmas.


Nula, pois a decisão que condenou Zé Dirceu.




Pedro Benedito Maciel Neto é, advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, professor, Pós-Graduado em Direito e Filosofia, autor de “Reflexões sobre o estudo do direito”, ed. Komedi.

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