Aberta a temporada de especulações sobre o pleito de 2014, tudo é legítimo e nada estranho – afinal, democracia tem de tudo e todos são livres para sonhar. Mas ninguém, por mais confiante e afoito que seja, pode desdenhar da definição exata do espaço que pretende ocupar no espectro político. É como um quebra-cabeça: cada peça tem que se encaixar onde cabe.
À direita, partidos patinam na busca de um projeto e de um discurso minimamente coerente, saudosos do figurino neoliberal e em conflito com as aspirações dominantes na sociedade. No amplo campo de forças que dá sustentação ao governo (de variados matizes), a hipótese de uma dissidência é real, porém se depara com um nó difícil de desatar: por onde atacar o governo Dilma?
Ou seja, como justificar a dissidência? Cobrar de Dilma passos mais avançados que os que tem dado no confronto aberto com o setor rentista não parece viável, seja porque a correlação de forças real não autoriza, seja porque prejudicaria a busca de apoios ao centro-direita. Por enquanto, permanece a cruzeta em que se mete quem reclama do desempenho momentaneamente insatisfatório da economia, porém não propõe mudança na essência da política econômica vigente. Elevar o tom de voz por aí levaria à inconsequência, de duvidosos resultados eleitorais.
Por outro lado, para ajuntar-se aos segmentos políticos e empresariais assustados com o vigor do governo na busca de superação dos condicionantes macroeconômicos herdados de FHC – mormente a queda da taxa básica de juros – em favor de investimentos produtivos, será necessário abraçar o retrocesso. Isso poderia dar sustança material a uma campanha de âmbito nacional, aplausos temporários na grande mídia ansiosa por borrar o cenário eleitoral e abrir brecha para o revide dos que perderam poder desde a assunção de Lula à presidência; mas seguramente não empolgaria os milhões situados (segundo a classificação mercadológica) nas faixas C, D e E do eleitorado.
A maioria dos brasileiros prefere que as coisas prossigam como hoje, em quem se ainda não demos os voos mais altos que desejamos, pelo menos caminhamos em condições tecnicamente consideradas de pleno emprego e de gradativa inserção de novos contingentes no mundo do trabalho e no mercado.
Em outras palavras, salvo se o governo desandar e a economia entrar em parafuso – o que não parece provável -, achar o discurso que justifique uma oposição por dentro da coalizão governista não é fácil. E, assim, mais uma vez se confirma o que ensinou Marx no 18 Brumário de Luis Bonaparte: o curso da luta política frequentemente se dá à revelia da vontade subjetiva dos atores em cena; a realidade objetiva impõe sua própria dinâmica – e, nesse caso, tende a determinar o posicionamento do eleitorado.
* Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB
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