quarta-feira, 19 de julho de 2006

De Mauro Santayana/Agência Carta Maior

19/07/2006 - 00h23



Violência Urbana

O ato de Bornhausen diante da crise do PCC




Jorge Bornhausen, presidente do PFL

QUESTÃO DE ORDEM

O atropelo da urgência

O Sr. Bornhausen assumiu a responsabilidade perigosa de acusar o PT de manter ligações com o PCC. Ele é porta-voz dos que querem retomar o poder para continuar no processo de desnacionalização da economia brasileira, que, com todos os seus erros, o governo Lula estancou.

Mauro Santayana

Brasília - A paz, disse o presidente Tancredo Neves, em um de seus últimos discursos, é a esquiva conquista da razão política. Outro mineiro, o Sr. Magalhães Pinto dissera, bem antes (e antes que, de certa forma, se desmentisse, ao colocar o governo de Minas a serviço da violência do golpe militar de 1964) que os conflitos fazem parte do humano viver. Em suma, a razão política se exerce na administração dos conflitos, na exaustiva e penosa conciliação entre as idéias, os interesses e as aspirações das pessoas. Se o objetivo da razão política é a paz, deduz-se, sem muito esforço, que a práxis da política é a conciliação. Essa conciliação é ainda mais necessária e urgente quando a ordem social política se vê seriamente ameaçada.

Neste início de campanha eleitoral há alguns temas que pedem a reflexão dos políticos, dos jornalistas, dos acadêmicos, dos detentores do poder econômico. Corremos o risco de, no aquecimento verbal da busca de votos, perder o que ainda resta de bom senso nos meios políticos. É, assim, necessário examinar, com o senso comum, as questões mais urgentes.

A paisagem do mundo
O recrudescimento da guerra de Israel contra os palestinos, que agora atinge o Líbano, é mais um passo perigoso rumo a uma guerra total, que tantos prevêem. Segundo alguns historiadores, estamos em uma guerra civil mundial desde o conflito de 1914. É conveniente pensar que o Brasil sempre esteve diretamente ameaçado pelo projeto de domínio das grandes potências. Os norte-americanos pensaram – e chegaram a fazer planos para isso – em aproveitar-se da Revolução Pernambucana de 1817, a fim de desembarcar tropas em Recife, para estimular a separação do Nordeste. A rápida pacificação da Província retirou-lhes o pretexto de intervenção. No fim do século 19 e princípio do século 20, tentaram intrometer-se no Acre, com o Bolivian Syndicate. Em 1964, chegaram a mobilizar sua esquadra para intervir no Brasil, caso a resistência contra o golpe militar crescesse a ponto de promover um regime de esquerda no País.

Pois bem: tanto eles, quanto os israelitas, têm apontado a região da Tríplice Fronteira, de forte presença árabe (principalmente sírio-libanesa) como área de financiamento dos movimentos nacionais do Oriente Médio. A escalada da guerra no Oriente deve nos colocar de sobreaviso, principalmente quando sabemos que o Paraguai é sempre um risco latente contra o Brasil, desde a Guerra da Tríplice Aliança, e que tropas norte-americanas estão estacionadas ali.

Os atentados de São Paulo
Os atentados de São Paulo, do Espírito Santo e do Mato Grosso do Sul têm causas atuais e remotas. As causas atuais se encontram no caótico sistema penitenciário, que amontoa, nas mesmas e superlotadas celas, condenados de delitos diversos, que vão de furtos de necessidade a latrocínios cruéis. Isso sem falar na corrupção dos carcereiros, que facilitam a entrada de narcóticos, armas e celulares nos presídios, mediante propina. Há ainda os castigos físicos e humilhantes contra os reclusos. Não há critérios equilibrados para o tratamento dos presos: os mais valentes, ou os que dispõem de recursos para comprar facilidades, desfrutam de privilégios. Os outros, não.

Todos sabem que pequenos delinqüentes, no convívio com grandes criminosos, acabam sendo recrutados para as quadrilhas organizadas no assalto a bancos, no tráfico de cocaína, no roubo de cargas rodoviárias. Sempre se falou na necessidade de separar os criminosos mais perigosos daqueles que podem ser facilmente recuperáveis, e reeduca-los. Sempre se falou, mas nada tem sido feito. Há, ainda, a burocracia que atrasa a concessão de livramento condicional de presos que atendem aos requisitos desse benefício, sobretudo os de boa conduta carcerária, o que contribui para a frustração e o desalento dos condenados. Tampouco – e isso é grave – não há o acompanhamento rigoroso das atividades dos que são colocados em liberdade relativa, como há no sistema penitenciário norte-americano. Tampouco existe a possibilidade de que um ex-presidiário obtenha emprego e possa reinserir-se na sociedade. Daí o altíssimo índice de reincidência criminosa em nosso País.

E como momento crítico dessa situação insuportável, houve o massacre do Carandiru. Não há como explicar o assassinato, a sangue frio, de mais de uma centena de prisioneiros. O Estado não foi capaz de lhes garantir a incolumidade física; ao contrário: permitiu que seus agentes os liquidassem a tiro limpo. A partir de então, os reclusos começaram a construir seu sistema de resposta.

A pena tem três funções. A primeira é a de segregar o criminoso, a fim de impedir que ele continue a delinqüir; a segunda é a de usar essa segregação para que ele possa refletir sobre seus atos e, assim, sentir-se punido e capaz de mudar de conduta; a terceira é a de reeducá-lo para o trabalho e o convívio social. É certo que os criminosos não podem ter, na prisão, mais conforto do que aquele que os baixos salários permitem ao trabalhador brasileiro. Mas tampouco devem ser tratados como animais. Na verdade não há normas igualitárias nos presídios, como todos os depoimentos comprovam.

Há certas facilidades – como as das visitas íntimas – que só deviam ser atribuídas aos que as conquistassem com seu comportamento nas prisões. Mas não é assim, e os carcereiros (ou, dentro do vocabulário politicamente correto, os agentes penitenciários) usam de outros critérios para privilegiar alguns e prejudicar os outros. Por outro lado, o bom comportamento do prisioneiro não pode ser medido por sua humilhação diante dos carcereiros, nem pelos atos de delação que cometa. A lei da cela, como é natural, pune os bajuladores e delatores com o rigor que se conhece. Separar os criminosos pela gravidade de seu delito talvez seja o mais efetivo caminho para conter a escalada do crime organizado. É nas prisões que se organizam as corporações criminosas e se recrutam seus quadros.

Uma das grandes conquistas do sistema penal brasileiro é a da individualidade da pena. Mas para que ela fosse realmente efetiva, seria preciso que a Justiça não agisse como justiça de classe, o que quase sempre ocorre. As chamadas pessoas de bem, mesmo que de bem nada tenham, são tratadas de uma forma; de outra forma são tratados os pobres, e quanto mais pobres, com maior rigor e mais desdém. É quase instintiva essa discriminação: os criminosos da alta classe média (e dos muito ricos, nem se fala) são recebidos pelas instâncias judiciais como pessoas da mesma qualidade de seus custódios e julgadores, e, como tal, bem tratados. Os trabalhadores mal vestidos, feios, desdentados, salvo quando encontram excepcionais servidores da Justiça (e sempre os há, felizmente) são vistos como vermes. E se o detido for negro ou pardo (esse eufemismo politicamente correto para substituir o vocábulo “mulato”) pode estar certo de que a coisa sairá muito mal para o seu lado. A individualidade da pena tem servido, sim, para manter os privilégios de classe e usar os pobres como bodes expiatórios das grandes culpas humanas.

Assim, entramos nas causas remotas da crise do sistema penal brasileiro. Elas se resumem em uma só: a desigualdade entre os ricos e os pobres. Por mais importante e honrado tenha sido, antes, um criminoso, ao ser comprovada sua culpa, deveria perder a consideração social de que usufruísse, e passar a ser delinqüente comum. Mas não é assim entre nós. Os delinqüentes financeiros, que usam o poder da corrupção para prejudicar milhares e milhares de acionistas, sonegar tributos, transferir irregularmente divisas, são tratados com toda a deferência. Só nos últimos anos, e graças ao profissionalismo da Polícia Federal, temos visto banqueiros e políticos peculatários algemados e presos, mas sempre por pouco tempo. A lei é como uma rede às avessas: deixa sempre escapar os peixes grandes e só segura os pequenos.

A campanha eleitoral
A oposição está entrando em um túnel cuja entrada se conhece, mas não se sabe onde estará sua saída, ao tentar envolver o PT (e, é claro, para prejudicar o Presidente da República) nos atentados urbanos de São Paulo. Trata-se de ato de absoluta irresponsabilidade. Se têm indícios ou evidências, que as encaminhem ao Ministério Público e de forma discreta, a fim de não perturbar o processo eleitoral. Se se trata somente de ilações, devem conter seu ímpeto. Mesmo que houvesse – se houvesse – alguém do partido com ligações com os membros do PCC, isso não significaria o envolvimento institucional do PT. Mesmo porque se a algum partido político interessa o tumulto neste momento, não é exatamente ao Partido dos Trabalhadores.

A hora dos moderados
Em momentos dessa gravidade é conveniente agir com serenidade e patriotismo. Os governos passam, as ideologias e as doutrinas se substituem no poder, durante o decorrer da História, mas as nações têm a vocação e o dever da permanência. Por isso cresce, entre os moderados, de um e de outro lado, movimento para estabelecer o entendimento entre o governo e oposição, de forma a conter os radicais. O radicalismo vem sendo alimentado por interesses bem conhecidos. O Sr. Bornhausen assumiu a responsabilidade perigosa de acusar o PT de manter ligações com o Primeiro Comando da Capital, o PCC. Ele é porta-voz dos que querem retomar o poder para continuar no processo de desnacionalização da economia brasileira, que, com todos os seus erros, o governo Lula estancou. É certo que esse radicalismo só se manifesta no plano federal. Nos Estados, as disputas têm mantido, até agora, nível civilizado. Embora seja difícil segurar os ânimos durante a campanha, alguns governadores têm mantido conversações entre eles e entre os candidatos, na busca de um processo civilizado da disputa.





Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.





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