quarta-feira, 20 de setembro de 2006

EXCLUSIVO


Pai e filho: denúncias feitas pelos Vedoin foram protocoladas na Polícia Federal


70% das ambulâncias liberadas na época de Serra e Barjas Negri
Depósitos para Império e Kanguru
Como funciona a delação premiada
"Na época do Serra era mais fácil"



Os Vedoin acusam Serra Donos da Planam afirmam que o ex-ministro José Serra está envolvido com a máfia das ambulâncias e entregam novos documentos sobre a distribuição de propinas

Por Mário Simas Filho e Biô
Barreira (foto) – Cuiabá (MT)

Na última semana, os termômetros na capital de Mato Grosso registravam temperaturas superiores aos 35 graus centígrados. Tão quentes quanto Cuiabá são os documentos que os empresários Darci Vedoin e seu filho Luiz Antônio obtiveram junto a bancos para ser entregues à Justiça, ao Ministério Público e à CPI dos Sanguessugas. Ambos são donos do grupo Planam, as empresas flagradas pela Polícia Federal em maio deste ano em um esquema de compras superfaturadas de ambulâncias que foram distribuídas a todo o País. Na ocasião, a PF prendeu 46 pessoas, entre elas os Vedoin, que permaneceram na cadeia por 80 dias.

Na quinta-feira 14, pai e filho fizeram chegar às mãos dos responsáveis pelas investigações uma pasta recheada de novos documentos. ISTOÉ teve acesso a esses documentos com exclusividade. Os mais importantes são extratos bancários que demonstram dezenas de depósitos feitos pelo grupo Planam a pessoas físicas e jurídicas até agora não mencionadas. Com essa documentação, a Justiça, o Ministério Público e a CPI ficam aparelhados para incluir nas investigações sobre a máfia das ambulâncias a efetiva participação dos ex-ministros da Saúde José Serra e Barjas Negri. “Na época deles o nosso negócio era bem mais fácil. O dinheiro saía muito mais rápido. Foi quando mais crescemos”, diz Darci. “A confiança do pagamento era tão grande que chegamos a entregar cento e tantos carros apenas com o empenho do Ministério, antes de a verba ser liberada.”


Os pagamentos: Vedoin acusam o empresário Abel Pereira (acima) de agir em nome do então ministro Barjas Negri e de receber propina por meio de cheques e em depósitos nas empresas Império e Kanguru Entre os documentos entregues pelos Vedoin está uma relação de emendas feitas no Orçamento da União que acabaram liberadas e atenderam aos interesses da Planam. A papelada indica que entre 2000 e 2004 a Planam comercializou 891 ambulâncias. Dessas, 681, mais de 70%, foram negociadas até o final de 2002, quando Barjas Negri deixou o Ministério da Saúde, após substituir José Serra, que disputara a eleição presidencial. Para explicar a importância e a contundência do que estão delatando, Darci e Luiz Antônio apresentam um novo personagem na máfia das ambulâncias. Trata-se de Abel Pereira, um empresário da construção civil sediado em Piracicaba, cidade do interior paulista coincidentemente hoje administrada por Barjas Negri. “O Abel falava em nome do ministro Barjas e se tornou o nosso principal operador no Ministério da Saúde a partir do segundo semestre de 2002”, relata Luiz Antônio. Segundo ele, naquele período houve uma pequena mudança no esquema. “Quando o Serra era ministro as operações eram feitas pelos parlamentares. Quando o Barjas deixou de ser secretário executivo e assumiu o comando do Ministério, Abel passou a ser o responsável pela liberação dos recursos, apesar de não possuir nenhum cargo naquela Pasta.”

Nos documentos bancários aos quais ISTOÉ teve acesso há cópias de pelo
menos 15 cheques emitidos pela Klass, uma das empresas dos Vedoin, que
teriam sido entregues ao próprio Abel. “Os cheques estão ao portador, mas
foram entregues nas mãos dele”, acusa Darci. No total, esses cheques somam
R$ 601,2 mil. Um deles, o de número 850182, datado de 30 de dezembro de 2002, tem o valor de R$ 87,2 mil. No mesmo dia, há outros sete cheques, seis deles são de R$ 30 mil e recebem os números de 850183 a 850188. O cheque 850181, também de 30 de dezembro de 2002, tem o valor de R$ 45 mil. “Depois que eles perderam a eleição, o Abel me procurou e passamos a fazer muitas liberações”,
diz Darci. De fato, 2002, último ano da administração tucana, foi o ano em que a Planam mais distribuiu ambulâncias pelo Brasil. Foram 317 no total. No Ministério Público, há quem suspeite que esses seguidos repasses tenham se destinado a pagar despesas da campanha presidencial de 2002. Agora, os procuradores deverão rastrear o destino desses cheques.

Quando o dinheiro não era repassado diretamente para Abel, segundo os Vedoin, as empresas do grupo Planam faziam depósitos em contas de pessoas jurídicas ou físicas, indicadas pelo preposto do ministro. Três depósitos têm chamado especial atenção dos parlamentares da CPI que já tiveram acesso a essa documentação. Trata-se de dinheiro entregue para a Kanguru Factoring Sociedade de Fomento Comercial. A empresa, dona do CGC 003824340/0001-25, encerrou suas atividades em 2003, no começo do governo Lula. Dois depósitos no valor de R$ 66,5 mil foram feitos em 27 de dezembro de 2002. Três dias antes, há o registro de um depósito de R$ 33,5 mil. Há, porém, outras empresas que serão investigadas. A Datamicro Informática, por exemplo, sediada em Governador Valadares (MG), foi beneficiada com dois depósitos. Um deles, realizado em 19 de dezembro de 2002, é de R$ 70 mil. Também de Minas, foi beneficiada a Império Representações Turísticas. Com sede na cidade de Ipatinga, a empresa recebeu dois depósitos. O maior deles foi de R$ 60 mil, realizado em 18 de dezembro de 2002, na conta corrente 25644-7, do Banco do Brasil.

As relações de Serra e Barjas Negri são estreitas. O atual prefeito de Piracicaba
tem enorme trânsito junto à cúpula tucana. Esteve com Serra no Ministério do Planejamento, foi secretário executivo no Ministério da Saúde, ministro da Saúde
e, antes de se eleger prefeito de Piracicaba, em 2004, ocupou o cargo de secretário de Habitação do Estado de São Paulo. Os donos da Planam afirmam que começaram a operação de distribuição de propinas para parlamentares que aprovassem emendas para a compra de ambulâncias em 1998, quando Serra assumiu o Ministério da Saúde. “Naquela época, a bancada do PSDB conseguia aprovar tudo e, no Ministério, o dinheiro era rapidamente liberado, inclusive com a ajuda de Barjas”, lembra Luiz Antônio. Um ofício datado de 13 de dezembro de
2001 mostra que o gabinete acompanhava de perto as liberações de recursos
para a compra de ambulâncias. No documento, já em poder da CPI, o então secretário executivo, Barjas Negri, se reporta ao Fundo Nacional de Saúde e pede “o empenho e a elaboração do convênio, com posterior retorno a essa Secretaria Executiva”. No mesmo ofício, Barjas diz tratar-se de “uma determinação do
senhor ministro José Serra.”


Em dupla: Serra teve Barjas Negri como secretário executivo e depois o fez
seu sucessor no Ministério da Saúde
Quando operava usando os parlamentares (até o segundo semestre de 2002), o grupo Planam destinava a eles 10% do que conseguia receber. Com a entrada de Abel na operação foi feita nova negociação, favorável ao empresário. “O Abel me chamou para um encontro em São Paulo. Conversamos no aeroporto de Congonhas. Tudo ficou acertado. No início da conversa ele queria manter os 10% que eram tratados com os deputados e senadores, mas no final da conversa fechamos com 6,5%”, narra Darci. “Foi quando mais crescemos, pois tudo o que pedíamos era facilmente liberado”, completa Luiz Antônio. Com os nomes das pessoas físicas e jurídicas listadas pelos Vedoin, os procuradores que investigam a máfia das ambulâncias poderão saber por que razão Abel indicava os depósitos e qual o destino dado ao dinheiro das ambulâncias superfaturadas. Na relação entregue pelos donos da Planam constam, por exemplo, seis depósitos feitos a favor de pessoas ainda desconhecidas do caso. Uma delas é Valdizete Martins Nogueira. Ela foi a destinatária de um depósito de R$ 7 mil feito na agência 3325-1 do Banco do Brasil em Jaciara, no interior mato-grossense, em janeiro de 2003. Na mesma cidade e na mesma agência do BB foram feitos três depósitos para outro personagem novo: Robson Rabelo de Almeida. Um desses depósitos teve o valor de R$ 20,1 mil, feito em 17 de dezembro de 2002. Em 3 de janeiro de 2003, o favorecido foi Mario J. Martignago, igualmente desconhecido até aqui, com um depósito de R$ 20 mil.

“A entrega desses documentos mostra que estamos cumprindo nosso acordo de dizer e provar tudo o que sabemos”, conclui Luiz Antônio. Com essas pistas todas, tanto o Ministério Público como a CPI poderão aprofundar ainda mais o esquema dos sanguessugas e talvez sugerir medidas para que coisas como essas não se repitam. “Somos culpados, mas não somos os maiores. A maior culpa é de governos antigos que propiciaram tudo isso. Jamais liguei para parlamentares. Eles é que ligavam para mim”, conclui Darci.

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