terça-feira, 26 de setembro de 2006

O demônio foi o de menos no discurso de FH

Franklin Martins
26.09.2006


Coluna do iG

O discurso de Fernando Henrique ontem em São Paulo, durante o ato “Por um Brasil decente”, foi tão duro na forma que acabou ofuscando a participação de Geraldo Alckmin. O ex-presidente não deixou por menos: disse que Lula é o demônio em pessoa e deve ser enxotado do poder. Alckmin também pegou pesado: afirmou que Lula é a encarnação do Judas. Mas, seja porque na escala do mal, o traidor está abaixo do tinhoso, seja porque Fernando Henrique tem um estilo mais mitingueiro do que Alckmin, o candidato acabou ficando num segundo plano. Todas as manchetes realçaram o discurso do ex-presidente.

No entanto, os jornais não deram o devido destaque a um aspecto fundamental do discurso de Fernando Henrique. Ao lado das críticas duríssimas e dos arroubos de palanque, ele passou um recado claro: está jogando a carta eleitoral – e apenas ela. Não está no seu horizonte trilhar nenhum tipo de caminho heterodoxo no período pós-eleitoral. Depois de conclamar a platéia a se mobilizar para “expulsar” Lula do governo, botou os pingos nos ii: “Mas vamos fazer isso pelas urnas. É voto nas urnas o que queremos”. E mais à frente: “Temos que acabar no voto com essa tentação que está havendo no Brasil de achar que tudo pode. Não pode, não".

Já o presidente nacional do PSDB, Tasso Jereissati, falando no mesmo ato público, não foi tão feliz na forma que encontrou para lidar com o problema, ao afirmar: "Estou torcendo para que o impeachment do Lula seja através do voto. Se não for, infelizmente, teremos um presidente sub judice, sob suspeitas. Se a população não der um basta pelo voto, a coisa poderá ficar grave". Vá lá que se chame a derrota eleitoral de um presidente de impeachment – raramente os políticos são rigorosos em cima dos palanques. Mas dizer que, se Lula vencer, ficará “sub judice” e que “a coisa poderá ficar grave”, deixa no ar a idéia de que outras cartas poderão vir a ser jogadas pela oposição no futuro, dependendo das circunstâncias.

Talvez tenha sido só uma frase infeliz, mal construída, num discurso feito de improviso, num momento de empolgação diante de uma platéia igualmente empolgada. Isso acontece com muito mais freqüência do que se pensa. Mas talvez a frase indique que aquilo que o ex-presidente Fernando Henrique disse de forma tão cristalina não é um pensamento unânime no primeiro escalão oposicionista. Nesse caso, aí sim, a coisa poderá ficar grave no futuro.

Aliás, ontem mesmo, o presidente da Câmara Aldo Rebelo advertiu que aqueles que estão querendo colocar sob suspeita o mandato de Lula, caso ele venha a ser reeleito, estão brincando com a democracia. A pior coisa que poderia acontecer ao país seria se, depois de contados os votos, alguns setores não se conformassem com a vontade do eleitor e pretendessem virar o jogo em outro terreno.

Na democracia, quem tem mais votos vai para o governo; quem recebe menos votos, segue para a oposição. O governo não pode impedir a oposição de fiscalizar e criticar. Mas a oposição tampouco pode impedir o governo de governar.

É simples assim. E funciona. Quando todo mundo respeita a idéia básica, é claro.

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