segunda-feira, 6 de novembro de 2006

QUEM TEM MEDO DE EMIR SADER?


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Berna (Suiça) - Na França, quando alguém é condenado por um artigo escrito na imprensa escrita ou afirmação veiculada no rádio ou televisão, geralmente tem de pagar um euro simbólico. É uma simples questão de honra. Tem havido condenações contra fotógrafos, por terem “roubado fotos” e publicado flagrantes de artistas ou personalidades sem autorização. São multas de algumas dezenas ou centenas de milhares de euros, cobradas geralmente pela princesas de Mônaco ou por Catherine Deneuve.

Jean Edern Hallier, um dos mais cáusticos jornalistas dos anos 80, que chegou a ser grampeado por Mitterrand por querer contar a dupla vida do presidente e a existência da filha extra-conjugal, Mazarine Pingeot, precisou pagar algumas multas, porém, não me lembro de ter sido condenado, preso ou demitido de funções por seus artigos ferinos.

E o Canard Enchainé? Autor de numerosas denúncias sobre governantes a ponto de ter se tornado uma tradição, o jornal satírico é vez ou outra alvo de processos, mas a coisa não vai longe. Nunca seu diretor foi condenado à prisão, seria inadmissível num país onde o direito à livre expressão é dogma da República.

Por mais que me esforce não consigo lembrar de uma condenação à prisão e perda de emprego por artigo escrito na imprensa. Exceto, é claro, em regimes ditatoriais. Criticar um político da época salazarista, franquista, soviética podia custar caro e mesmo a vida.

Por isso, fiquei surpreso com a condenação à prisão e à perda de seu emprego de professor aplicada por um juiz contra o cientista político e jornalista Emir Sader por um simples artigo publicado na Carta Maior. Li todo o arrazoado da longa sentença que justifica a pena máxima ao pensador político, considerado pelo rigor da pena a um perigoso tribuno.

Nem o escritor francês Émile Zola sofreu tais ameaças ao publicar, no Le Figaro, o famoso Eu Acuso, em favor do capitão Dreyfus, colocando-se de frente contra ministros e oficiais militares franceses.

Seria Emir Sader assim tão perigoso? Seu verbo inflamado seria tão subversivo a ponto de justificar o corte simbólico de sua língua, para que o exemplo assuste outros tantos e leve o pouco que resta de jornalistas críticos e não comprometidos com seus patrões, por necessidade econômica ou sabujismo, a se moderarem em suas análises e denúncias?

Tenho certeza de que na segunda instância se corrigirá a sentença, mas não se poderá afastar dos jovens jornalistas o receio do exercício livre da expressão. Nem todo jornalista tem com o que contratar um advogado em sua defesa. Nem todo jornalista é um Fernando Moraes, que chegou a ser condenado, mas ignorou, a não dar entrevistas sob pena de multas acumuladas.

A condenação de Emir Sader, com cujo pensamento nem sempre concordo mas com o qual me solidarizo, pode ser considerada uma manobra de intimidação.

Paradoxalmente quando a grande imprensa, inconformada com a derrota, espalha haver um plano para amordaçar a imprensa, é um intelectual de esquerda o punido, e com o requinte da pena máxima. De repente, parece que voltamos ao passado, quando os colunistas do extinto Correio da Manhã do Rio eram presos e condenados por criticar militares.

Qualquer jornal ou revista aqui na Europa teria colocado a condenação de Emir Sader na pauta. Pela singularidade da pena e pela importância do condenado, num momento em que intelectuais e ideólogos se tornam coisa rara no Brasil. Porém, a grande imprensa brasileira é unilateral, seu compromisso é outro, ao mesmo tempo que desfruta de uma hegemonia e de um monopólio resultante da inexistência de uma imprensa concorrente de esquerda. Caros Amigos, Carta Maior e Brasil de Fato não podem contar com publicidade para sobreviver e crescer, maneira simples das grandes empresas impedirem o desenvolvimento de uma imprensa alternativa.

Emir Sader não é um caso isolado. Em todas as redações existem outros Emir Saders auto-amordaçados para não perderem seu emprego. Não há ameaça do governo em limitar a liberdade de imprensa. A liberdade para se criticar, denunciar, comparar, falar de outros modelos culturais e políticos já não existe há algum tempo. Não ditada pelo governo, mas pelos grupos que controlam a imprensa brasileira. E essa a razão da força da imprensa alternativa editada por numerosos sites livres na Internet.
Rui Martins

Um comentário:

Anônimo disse...

Aqui as coisas são invertidas. Num passe de mágica, aquele que deveria ser réu vira vítima. Isto ocorre graças à mídia, ao Poder Judiciário e outras instituições que se parecem mais com partidos políticos defendendo os seus, seus pontos de vista ideológicos, seus interesses econômicos etc e tal. Senão vejamos esta. O senador Jorge Bornhausen, referindo-se à certeza da vitória do consórcio conservador PSDB/PFL nestas eleições disse ( referindo-se a Lula e seus partidários), que finalmente ficaria livre "dessa raça.” Que termo grosseiro. Beira o racismo. Que raça? Raça de nordestinos? Refletindo acerca de tal sentido duplo, o professor Emir Sader escreveu um texto sobre o assunto. Por isso um juiz o condenou, dentre outras barbaridades, à perda do cargo de professor quando Bornhausen é que deve explicações à Justiça acerca da sua infeliz frase na qual, de forma dissimulada, ele incita ao ódio racial. Livres dessa raça? Que raça? Leia mais no meu blog http://abandon.zip.net

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