quarta-feira, 23 de maio de 2007

Para entender a Navalha e seus navalhas

José de Castro

Fonte: http://www.novae.inf.br

Proprietário de uma mansão avaliada em R$ 4,5 milhões e de uma lancha, a Clara, de 1,5 milhão de dólares, que faziam as delícias dele mesmo e de seus convidados -- ministros, governadores e parlamentares -- o dono da Construtora Gautama, Zuleido Soares Veras, só é diferente de muitos outros empreiteiros de obras públicas porque esticou muito a corda e foi com muita sede ao poço: acabou pego na semana passada pela Polícia Federal, na Operação Navalha.

Se a PF tivesse o hábito, no passado, sobretudo durante o regime militar pós-64, de fazer escutas telefônicas de donos e executivos de grandes construtoras, muito provavelmente Zuleido não entraria para a história como o primeiro empreiteiro preso no Brasil.

Enriquecimento rápido às custas do erário não é um fenômeno recente no país. Quando Juscelino Kubitschek construiu Brasília e tocou grandes obras rodoviárias e hidrelétricas, o Brasil pode ter avançado 50 anos em 5, conforme seu slogan, mas muitos amigos empreiteiros avançaram mais ainda. Foi nessa época que surgiram em Minas algumas grandes empreiteiras, como a Andrade Gutierrez e a Mendes Júnior.

A Cowan, por sua vez, é cria do regime militar. Seu proprietário, um mineiro de Montes Claros, construiu uma mansão na Pampulha, onde recepcionava nababescamente ministros e diretores de estatais, numa época em que o governo controlava 70% do Produto Interno Bruto e o Ministério Público e o Judiciário fechavam os olhos para crimes de colarinho-branco, o Tribunal de Contas da União e dos estados não passavam de ricos cabides de empregos para políticos aposentados e a imprensa era mantida à distância dos escândalos pela censura oficial ou pela autocensura, esta imposta pelos proprietários aos repórteres e editores.

Impunidade dos anões a Zuleido


Foi nesse clima ameno, em que vicejava o ministro Delfim Netto e sua teoria de fazer o bolo crescer para depois distribuir, que nasceu na Bahia de Antônio Carlos Magalhães a OAS, uma construtora apelidada pelos adversários do poderoso governador e ministro das Comunicações de Organização dos Amigos do Sogro.

Com o fim do governo militar, o país atravessou uma fase de redemocratização, sob a batuta de um dos queridinhos da ditadura: José Sarney, que assumiu a Presidência da República no lugar de Tancredo Neves, do qual era vice na chapa vitoriosa em eleições indiretas. Tancredo morreu antes de tomar posse. Sarney empregou agentes federais até para laçar bois gordos nos pastos, mas manteve-os afastados dos criminosos de colarinho branco e dos corruptos e corruptores.

Apesar disso, alguns crimes vieram à tona, graças ao trabalho da imprensa ajudado por CPIs nas quais se destacavam deputados e senadores petistas na oposição ao governo Collor e Itamar Franco.
Em 1993, descobriu-se que um grupo de 18 deputados -- os "anões do Orçamento" -- faturava com a apresentação de emendas parlamentares. Seis foram cassados, oito absolvidos e quatro renunciaram ao mandato, depois de detonados pela CPI, na qual a principal estrela foi a Construtora Odebrecht, da Bahia. Nem é preciso dizer que ninguém da empreiteira foi punido.

Foi na OAS que Zuleido aprendeu as manhas do ofício, como seu representante em Brasília. Saiu brigado em 1995 e fundou a Gautama, uma homenagem a Sidarta Gautama, o Buda. Esse paraibano que fez fortuna na Bahia e em Brasília acreditava no poder da religião para ganhar dinheiro, mas acreditava ainda mais nos políticos. Entre seus amigos estava o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Junior. No último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, a empresa de Zuleido esperava faturar R$ 250 milhões, ou três vezes mais que no ano anterior, quando já se firmava como uma das campeãs em obras públicas -- tocava 20 delas em dez estados -- e em irregularidades: nove haviam sido condenadas pelo TCU.

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