Bob Fernandes
Terra Magazine
No princípio era o verbo... João, capítulo 1, versículo 1. Agora é o Sibá Machado.
E o Onyx Lorenzoni.
A Navalha cortou fundo, vísceras foram expostas, e assim e ao mesmo tempo o verbo, aos borbotões, deixou o seguro refúgio de corações e mentes. Dos eleitos para bandidos, mas também dos escolhidos para mocinhos no filme Poder à Brasileira.
Nessa fita o senador petista do Acre terá agora o papel de presidente do Conselho de Ética, que julgará o presidente do Senado e do Congresso, Renan Calheiros. PMDB, Alagoas.
O Onyx, um DEMRS - Democrata do Rio Grande do Sul - ocupou a tribuna aos primeiros cortes da lâmina e propugnou um pacto anticorrupção, pela moralização dos costumes na política, na Câmara, no Congresso, no Brasil.
Ninguém duvida da autoridade de Onyx e do seu partido para tanto.
Os DEM, que foram o Pefelê (do ACM, avô e Neto, do Bornhausen e outros com mais ou menos votos) até serem abatidos pelo eleitorado a golpes de urnas, certamente desconhecem o instituto do Caixa Dois, e de suas ramificações, em campanhas eleitorais.
O repórter que buscar indícios de Caixa Dois em campanhas pregressas dos DEM, como em tantos dos demais partidos, não encontrará uma rapinha.
PRETO, POBRE, E P....
O PT do Sibá, por sua vez, ainda não estancado o jorro da primeira laminada, já tomava enérgicas providências. Indicou o Geraldo Magela para montar um pacote anticorrupção.
Decisão adequada, e que faz justiça, uma vez que certamente o ex-deputado do PT-DF foi vítima de aleivosias, e de grave injustiça, ao ver-se envolvido num rolo anterior; aquele que uns chamaram de "mensalão", ainda que outros preferissem "anualão" e haja mesmo quem assegure ter se tratado apenas de miragem.
Mas vamos ao verbo.
Alberto Toron, advogado de escol, fera na área, foi dos primeiros a abrir a alma:
- (...) Decreta-se a prisão temporária, a Polícia Federal exibe o preso como um troféu, algema-o desnecessariamente e o exibe em horário nacional (sic). É um escracho. O que se fazia antes contra preto, pobre e puta, é feito com outros presos. É há quem aplauda.
Dalmo Dallari, célebre e histórico jurista, devolveria quase duas semanas depois:
- (...) Quando a polícia ficava prendendo pobres ninguém via ilegalidade. (...) Considero absolutamente injustas as críticas à Polícia Federal.
Ministro dos Transportes nos tempos de Sarney presidente, governador do Maranhão com os Sarney e depois contra os Sarney, José Reinaldo Tavares, do PSB, viu-se de repente, não mais que de repente, preso. Com outras seis pessoas. Ao deixar a cela da PF, escancarou o verbo:
- (...) Foi uma experiência horrível. A filosofia da cadeia é a humilhação. Quem ia para a latrina ficava apertando a descarga o tempo todo para o cheiro não contaminar a cela.
Alexandra Tavares um dia se casou com José Reinaldo, de quem agora é separada. Mas não o deixou só nesse instante doloroso. Deitou o verbo contra os Sarney:
- Vocês não percebem que tudo isso é uma farsa? O que eu lamento é que a imprensa dá para eles (família Sarney) o palco que eles querem. Por quê você (colunista Mônica Bergamo, da Folha) não faz um levantamento de tudo o que eles têm? Pergunte a eles como conseguiram.
É COVARDIA.
Gilmar Mendes é hoje ministro do Supremo Tribunal Federal. Confundido com um homônimo e, a partir deste grave equívoco, envolvido numa lista de mimos natalinos da Gautama, rasgou o verbo:
- Se esse tipo de prática parte da PF é uma canalhice. (...) Há uma estrutura de marketing para valorizar o trabalho da PF e depreciar a justiça.
Por decisão eminentemente jurídica Gilmar Mendes mandou soltar Zuleido Veras e boa parte da Gautamaria. Gilmar, que um dia foi Advogado Geral da União no governo Fernando Henrique - que o indicou para o STF - será, a partir da segunda metade do ano, presidente do Supremo.
Gilmar Mendes não costuma esconder o que pensa. Nestes dias de navalhadas defendeu, inclusive junto a jornalistas, sua posição:
- Off de policial e ministro do STF é covardia.
Gilmar solta o verbo. Como sabem alguns desde aqueles tempos calientes da campanha presidencial passada. Marco Aurélio Mello, outro magistrado que não costuma guardar verbos - nem adjetivos - enxergava aqui e ali vestígios que poderiam levar à impugnação da candidatura Lula. Gilmar Mendes, numa noitada em São Paulo, rasgou:
- (...) Bem, do jeito que está é que não dá pra continuar. Alguma coisa terá que ser feita, alguma coisa terá que ser feita...
ACM, o avô, também acha que alguma coisa tem que ser feita. E que a culpa é "do PT", como disse a Terra Magazine logo às primeiras navalhadas. Seu sobrinho, Paulo Magalhães, um DEMBA - Democrata da Bahia - viu-se envolvido por uma suposta propina, de R$ 20 mil, da gautamagem. ACM, outro que jamais escondeu o verbo, lascou:
- Acho o preço muito barato. Eu não acho que devia ser mais, mas vinte mil suja tanto quem recebe quanto quem dá...
ACM, o avô, foi ministro, o mais poderoso, do Sarney. O maranhense, hoje senador pelo Amapá, ocupou a tribuna na segunda-feira. Frisson quando ele assomou ao microfone.
IMPRENSA LIVRE
Seu apadrinhado, Silas Rondeau, havia deixado o ministério das Minas e Energia logo no princípio dos cortes da Navalha. Se justa ou injustamente o tempo dirá.
Quando Sarney, profundo admirador do padre Antônio Vieira, ensaiou os primeiros verbos, jornalistas que cobrem o Senado se remexeram em suas poltronas. Quem estava ligado na TV Senado aumentou o som. Havia motivos para tanto.
Afinal, Renan Calheiros, acusado-pela-revista-Veja-de-usar-um-
lobista-da-empreiteira-Mendes Júnior-para-pagar-pensão-à-ex-
namorada-Mônica-com-quem-teve-uma-filha-fora-do-casamento,
falaria logo em seguida.
E Sarney soltou o verbo... Não, ele não aplaudiu, ou criticou, acertos ou erros da navalhada. Ele protestou contra... o Hugo Chávez.
- (...) venho manifestar meu protesto contra o fechamento, na Venezuela, da RCTV. Não pode haver uma democracia na qual não exista instituição livre, instituição forte, basilar dela (...) imprensa livre e sem restrições.
Sarney foi muito aplaudido. Não houve apartes.
Faz sentido.
Os maranhenses conhecem a imprensa livre e sem restrições no Maranhão, onde os Sarney são donos de um conjunto de mídia que inclui a TV Globo local.
Da mesma forma os potiguares conheciam a plena liberdade de informação quando os Alves, Aluízio e depois Garibaldi, agora senador, governavam o Rio Grande do Norte e eram donos da afiliada à Globo.
Como, de resto, afiliados a retransmissoras da Globo em seus estados - portanto, com nunca menos de 70 ou 80% de audiência cativa - são as famílias do agora senador Collor (PTB), em Alagoas, Franco (PSDB), em Sergipe, Jereissati (PSDB), no Ceará, Coelho (partidos vários) em Pernambuco, ACMs (DEM), na Bahia... e por aí afora.
Como, do norte ao sul, de leste a oeste, centenas de vereadores, deputados, governadores, senadores e chefes políticos com retransmissoras - da Globo, ou do SBT, ou da Band, ou da Record - exercitam diariamente, há décadas, os prodígios da imprensa livre, que acolhe a todos.
Quem vive nesses e em tantos outros estados e municípios do Brasil experimenta há décadas uma liberdade de informação, tem a seu dispor uma pluralidade de visões e opiniões como pouco se vê mundo afora. Justo, portanto, o protesto do senador Sarney.
O senador, ninguém discute, é homem bafejado pela sorte. Deixou a presidência do PDS para ser vice de Tancredo Neves, que perseguia a Presidência da República por meio século. Tancredo, operado horas antes da posse, só subiu a rampa do palácio num caixão, enquanto Sarney governaria por cinco anos.
Homem de sorte. Imaginem a cena.
Sarney irrompe na tribuna do Senado, na segunda, 28 de maio de 2007, 22 anos depois de sua posse na Presidência. Jornalistas se remexem nas poltronas, o pessoal em casa, nos escritórios, bares, aumenta o volume da TV Senado. Com verve e garbo, o ex-presidente do Brasil ataca a censura, o autoritarismo de Hugo Chávez ante a RCTV. Mas eis que um gaiato qualquer, das galerias ou do plenário, recorda, aos brados - bastariam uns dois; os brados:
- Je Vous Salue Marie! Je Vous Salue Marie...!
Jean-Luc Godard. Corria o ano da graça de 1986. Pressionado pela igreja católica, o governo do presidente Sarney anuncia, em horário nobre, a censura a um filme: Je vous salue Marie. De Godard. Proibido em todo território nacional.
Fosse hoje, ganharia as bênçãos do Bento.
TRISTEZA.
Sarney hoje é senador pelo Amapá, mas sabem todos que ele é do Maranhão. Como o José Reinaldo Tavares, como a ponte que liga o nada ao lugar nenhum, como tantos dos abatidos pela Navalha, e pela Gautama. Que está em São Paulo, mas é filha da Bahia, e da OAS.
Também do Maranhão é o atual governador, Jackson Lago (PDT), que teve dois sobrinhos, Alexandre e Francisco, presos no rastro da Navalha por conta do suposto recebimento de duzentinho e mais alguns trocados.
Lago depôs no Superior Tribunal de Justiça. Negou ter recebido qualquer coisa. Ouviu, e reconheceu, a voz de um sobrinho na fitalhada gautâmica, e depois abriu o coração. E o verbo:
- É profundamente lamentável. É profundamente triste.
Do mesmo Maranhão é o deputado Jura Filho (PMDB), que lamentou em plenário:
- Em nosso estado pudemos observar que o Maranhão ocupou o espaço da imprensa nacional de forma humilhante com a prisão do ex-governador José Reinaldo Tavares...
Uma injustiça - verdadeiramente - inculpar-se todo um estado por atos de alguns poucos dos seus. Seja o Maranhão de tanta gautamagem, seja a Bahia, berço da gautamaria. Injustiça essa que não é de agora, é de séculos, observe-se.
MENTIRA.
Mais precisamente injustiça e preconceito que vem, pelo menos, desde o século XVII. Pelo verbo de quem amava o verbo, e soube usá-lo como poucos. O padre Antônio Vieira.
Em sermão brutalmente eivado de preconceitos, um dia o padre Antônio Vieira rasgou a batina, e o verbo, no púlpito. Avisou aos temerosos fiéis, desde o princípio, qual seria o verbo:
- (...) ainda que as verdades causam ódio, espero que não haveis de ficar mal comigo: porque hei de afrontar a todos para desafrontar a cada um.
Era o domingo quinto da Quaresma, conhecido como O Domingo das Verdades. E naquela manhã o padre Vieira mirou, primeiro, no Maranhão:
- (...) Não gastemos tempo. A verdade que vos digo, é que no Maranhão não há verdade. (...) se as letras deste abecedário se repartissem pelos estados de Portugal, que letra tocaria ao nosso Maranhão? Não há dúvida que o M. Maranhão, M. Murmurar, M. Motejar, M. Maldizer, M. Malsinar, M. Mexericar, e, sobretudo, M de mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos modos por aqui se mente.
Irado, o padre descascou:
- (...) Novelas e novelos são as duas moedas correntes nesta terra: mas têm uma diferença, que as novelas armam-se sobre nada, e os novelos armam-se sobre muito, para tudo ser moeda falsa.
Zuleido e a Gautama ainda não existiam, nem mesmo a OAS, mas o padre Vieira incluiu também a Bahia no seu Domingo das Verdades:
- Na Bahia, que é a cabeça desta nossa província do Brasil, acontece algumas vezes o que no Maranhão acontece todos os dias...
Vieira, naquele domingo, defendeu uma tese:
- E para nascer a mentira, o que influe? Ociosidade. Onde o clima influe ócio, dá-se a mentira a perder. (...) Estes são os dois vícios do Maranhão, estas as duas influências deste clima, o ócio e a mentira.
Pegou pesado o padre Antônio Vieira.
Dir-se-ia, com definitiva razão, que o padre foi brutalmente preconceituoso contra dois estados do Brasil, contra toda uma região; como, aliás, se tem sido até os dias de hoje. Mas, sem querer defendê-lo, ao menos quanto à escolha de uma única região como depositária do seu sermão, há que levar em consideração alguns fatores.
Ainda não havia televisão, a Globo ainda não estava no ar no século XVII. Nem o rádio. Muito menos a internet. São Paulo, por exemplo, era de uma lonjura sem fim, assim como o Rio de Janeiro, Minas Gerais etcetc. Por mais poderosa e visionária que fosse sua oratória, Vieira vivia o seu século. Não havia como transportá-lo aos séculos XX, XXI.
Se fosse possível...
Imaginemos o padre Antônio Vieira hoje, no púlpito, a comentar aqueles US$ 250 milhões sem pai nem mãe nas Ilhas Jersey? A debater a origem daquele granário que uns juízes malucos insistem ter origem na prefeitura de São Paulo?
Calculemos se ele estivesse num Domingo das Verdades nas montanhas de Minas, com o Marcos Valério e aquele pessoal todo que o acompanhou de 1998 até o Roberto Jefferson soltar o verbo, todos sentados num banquinho da igreja?
Suponhamos que ele ouvisse o Jefferson contar, e depois cantar?
E se ele, por acaso, passasse uma tarde em São Januário, com o Eurico?
Padre Antônio Vieira, naquele Domingo das Verdades, citou D. Fradique de Toledo; de quando este veio restaurar a Bahia, no ano de 1625. Citou e destampou o verbo:
- No Brasil até os céus mentem!
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