Carla Marques
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Menos, menos. O dramático 'adeus à democracia midiática', no episódio do fechamento da Radio Caracas Televisión (RCTV) na Venezuela, traz ironias e exageros. Fala-se de 'ditadura da palavra', como se o canal que operou por 53 anos e as demais redes privadas, assim como os jornalões ligados ao Grupo Diários de América, não fossem todos sintonizados em um mesmo discurso, capaz de interpretar de igual maneira todos os eventos do continente. Fala-se em 'liberdade de imprensa', sabendo-se quão ferina e mal utilizada ela foi no traumático abril de 2002, quando esta mesma RCTV estimulou o confronto aberto entre chavistas e anti-chavistas e o próprio golpe a um presidente democraticamente eleito.
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Menos, menos. O dramático 'adeus à democracia midiática', no episódio do fechamento da Radio Caracas Televisión (RCTV) na Venezuela, traz ironias e exageros. Fala-se de 'ditadura da palavra', como se o canal que operou por 53 anos e as demais redes privadas, assim como os jornalões ligados ao Grupo Diários de América, não fossem todos sintonizados em um mesmo discurso, capaz de interpretar de igual maneira todos os eventos do continente. Fala-se em 'liberdade de imprensa', sabendo-se quão ferina e mal utilizada ela foi no traumático abril de 2002, quando esta mesma RCTV estimulou o confronto aberto entre chavistas e anti-chavistas e o próprio golpe a um presidente democraticamente eleito.
Há anos existe uma blindagem na imprensa nacional sobre o que se passa na Venezuela. Um descolamento completo entre realidade e notícia que aprofunda o fosso que nos divide e ridiculariza o papel dos leitores. Na manhã da última terça-feira, um canal brasileiro exibiu reportagem que falava sobre quatro feridos nos "intensos confrontos contra o fechamento da RCTV". A imagem mostrava hematoma em um braço, provocado por bala de borracha, coisa que acontece aqui na esquina por muito menos.
Em abril de 2002, o confronto incitado abertamente pela mídia venezuelana (que convocou opositores do presidente a saírem às ruas, quando sabia da existência de uma manifestação pró-governo nas proximidades, e transmitiu ao vivo discursos irados dos golpistas) deixou 12 mortos e cem feridos. Ao ocultar seu papel na geopolítica latino-americana, a imprensa torna-se tão autoritária quanto o presidente que visa a combater.
Uma jornalista/comentarista brasileira, ao final do mesmo programa, concluiu ainda que Chávez é "um ditador". O mais curioso é como essa mensagem é naturalizada: "O ditador Hugo Chávez fez isso e aquilo". Vez e outra, a palavra passa batida em notícias na TV e nos jornais. Seu emprego arbitrário, porém, contraria qualquer regra ética do jornalismo. Não pode ser ditador quem se elegeu três vezes por eleições diretas. Nesta cobertura, entre os fatos curiosos, vi uma foto ilustrando suposta manifestação anti-Chávez em um grande jornal impresso. A imagem mostrava uma pequena multidão vestindo predominantemente vermelho, que é uma das cores da bandeira, mas usada como marca registrada dos chavistas. Em números, a imprensa divulgou cinco mil manifestantes. Alguém tem idéia da insignificância deste valor perto de qualquer passeata em Caracas?
Por essas e outras, torna-se realmente difícil visualizar de forma clara causas e conseqüências do fechamento da emissora. Aparentemente, o venezuelano se excedeu numa tentativa de mostrar força e trouxe mais abalos a um país que precisa de estabilidade, interna e externamente. Fora isso, a rede tinha papel importante no entretenimento de zilhares de telespectadores, pela produção de telenovelas e outros programas. Chávez tenta justificar que a programação era abusiva e preconceituosa, coisa perigosa caso siga pelo caminho do engajamento compulsório da diversão e da arte. Para melhor refletir, por hora, é necessário focar a questão no jornalismo.
No ano passado, estive por cerca de um mês na Venezuela e constatei, com certo constrangimento, que sua imprensa é uma mistura de ringue, picadeiro e programa de fofocas. À época do golpe de 2002, que durou menos de dois dias, um golpista chegou a ir à TV para contar arranjos da ação e agradecer nominalmente aos canais e a jornalistas pela ajuda (imagens disponíveis no documentário irlandês 'A Revolução Não Será Televisionada')e ABAIXO, UM FRAGMENTO. O sensacionalismo, os ataques infundados e a impunidade são tão nocivos à democracia midiática quanto revogar a concessão de veículos.
Os jornalistas que estiveram na dianteira do golpe continuaram atuando livremente após o episódio, tornando ainda mais ferrenhas suas críticas – o que é saudável em um Estado de Direito, embora eles mesmos não tenham se importado com este valor ao se envolverem em conspirações militares. Na época, emissoras chegaram a ser atacadas fisicamente por eleitores de Chávez, que não usou o vento a seu favor para derrubá-las.
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