quarta-feira, 27 de junho de 2007

A NATA AZEDA DA SOCIEDADE

.

Separados pela distância entre Rio e Brasília, e pelo intervalo de dez anos, um índio pataxó e uma empregada doméstica foram covardemente atacados por jovens de classe média alta num mesmo lugar e num mesmo horário: um ponto de ônibus às cinco da manhã. Na capital federal, os assassinos de Galdino alegaram terem confundido o índio com um mendigo. Na orla carioca, o "álibi" é parecido: os agressores pensaram que Sirley Dias de Carvalho Pinto, à espera de uma condução para ir ao médico na Baixada Fluminense, fosse uma prostituta. A primeira conclusão destas tristes histórias é que, em ambos os casos, os garotos foram das fraldas à barbárie sem passar pela civilização.

Lembro de ter visto zilhares de vezes a cena dos garotinhos ricos que passam de carro gritando e xingando as prostitutas na praia, de Copacabana ou da Barra. É uma espécie de programação de final de noite. Dentro deste ritual, contou também o delegado responsável pelo caso de Sirley, alguns jovens chegam a atirar lixo e latas de cerveja nas garotas de programa. Na madrugada em que mudaram suas vidas para sempre, os cincos amigos levaram além uma prática que já deveria ser comum para eles.

É possível que tenha emergido no grupo a figura do falso líder. Uma pessoa incapacitada a cuidar de si mesma que, arbitrariamente, acaba guiando as ações dos outros. Foi quem sugeriu o ataque, abriu a primeira porta do carro, deu o primeiro chute. Os outros seguiram, pois - depois de tantas agressões verbais àquelas mulheres - aquilo não lhes parecia tão absurdo a ponto de negar a participação.

Prostitutas, índios, domésticas, pobres. São todos parte de um mundo extra-condomínio. Ou seriam os garotos parte do diminuto mundo intra-condomínio? Foram presos como bandidos - o que são, ao contrário do que um pai alegou à imprensa - porque se mostraram inaptos ao convívio em sociedade, banalizaram o mal. Este mesmo pai, o empresário Ludovico Ramalho, envergonhou ainda mais o nome da família com a declaração que dirigiu "à sociedade": "Nós, pais, não temos culpa. Mas não é justo manter presas crianças que estão na faculdade, estão estudando, trabalham. Não concordo com a prisão na Polinter, ao lado de bandidos".

A doméstica recebeu chutes no rosto, na cabeça e no braço, terminando com hematomas e fratura. Teve a bolsa também roubada. Sobre isso, Ludovico comentou que "Sirley é mais frágil por ser mulher, por isso fica roxa com apenas uma encostada". Com o discurso infeliz, o pai criou um vácuo de responsabilidade e chegou perto - muito perto - de culpar a vítima "por ser frágil". Pai e filho são criadores e criaturas de um mesmo filme de terror. O empresário errou também ao tentar relativizar a punição de acordo com o nível social: se um homem bate covardemente em uma mulher, mas faz faculdade, porque tem dinheiro para pagá-la, merece outra chance; se é um pobre coitado, analfabeto, deve ser encarcerado como manda a lei.

A cadeia brasileira não corrige problemas sociais ou falhas de caráter (de pobres ou ricos). Mas se todos são iguais perante a lei, e a lei por hora é esta, então deve ser cumprida. É completamente compreensível a preocupação das famílias sobre o que pode acontecer com os garotos na Polinter. Infelizmente, foi escolha deles passarem de um condomínio fechado a outro, sem terem dado uma boa olhada no mundo em que vivem nem usado a educação privilegiada para melhorá-lo.

Este é o momento em que puxarão, à força, os homens dos meninos. Que a sociedade saiba impedir a infantilização cínica de seus adolescentes e pós-adolescentes. Pois esta, sem dúvida, é a melhor maneira de protegê-los.

Carla Marques

 

Nenhum comentário:

Marcadores