Na semana passada, em plena luz do dia, oito pessoas foram mortas e seis feridas. Os mortos eram todos do Jacarezinho. Dos feridos, quatro policiais e dois moradores atingidos por balas perdidas. A polícia garante que foi recebida à bala e reagiu. Diz também que todos os executados eram bandidos.
Familiares de algumas vítimas negam. Pelo menos três deles - Jorge Vinícius Freire da Silva, 19 anos, Juliano Rodrigues de Lima, 17, e Wagner Luiz Ferreira França, 25 - não tinham qualquer passagem pela polícia. Mãe de Jorge Vinícius, 19 anos, Marlene Freire da Silva, 51, relatou: "Foi uma covardia. Os PMs vasculharam as casas e atiraram. Meu filho entrou numa casa na Rua Amaro Rangel e ele me ligou, pedindo para ir buscá-lo. A última coisa que disse foi: 'Mãe, vem me buscar'", contou.
A Rua Amaro Rangel é o mais movimentado centro comercial da comunidade. Tem mais lojas de que todo o bairro do Jacaré. Ela disse que Jorge trabalhava como mototaxista. "Ele não era bandido e a moto não era roubada. Os PMs não me deixaram entrar na casa para ver meu caçulinha. É uma tristeza muito grande". Seja o que for, pela descrição dos fatos, houve mais uma execução coletiva. É preciso deixar claro que não existe pena de morte no Brasil, muito menos estado de sítio, nem outro suporte legal para massacres dessa natureza.
A polícia diz que foi recebida à bala. Eram mais de 50 agentes e PMs, que pareciam alvos fáceis, como mostram as fotos. E, no entanto, nenhum deles morreu. Isso me leva a crer que aconteceu o de sempre: a polícia já entra na comunidade criminalizada atirando numa guerra insana, que não levará a nada. Ou melhor, servirá para aumentar a revolta dos moradores contra as instituições do Estado.
Treinados para matar
Com a palavra Bia Barbosa, da Agência Carta Maior:
"A Anistia Internacional afirma que governos permitiram a institucionalização de um policiamento baseado em violações de direitos humanos e corrupção, uma prática que tem contribuído para intensificar a violência e a criminalidade e para reforçar os padrões de discriminação e exclusão social"."Em setembro de 2003, o jornal O Globo publicou trechos das músicas cantadas durante o treinamento de membros da divisão de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE), tais como:
O interrogatório é muito fácil de fazer
Pega o favelado e dá porrada até doer
O interrogatório é muito fácil de acabar
Pega o favelado e dá porrada até matar.
Bandido favelado não varre com vassoura
Se varre com granada, com fuzil, metralhadora.
As estatísticas oficiais mostram que em 2003, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a polícia matou 2.110 pessoas em situações registradas oficialmente como "resistência seguida de morte". Em visitas a comunidades em São Paulo, Rio, Minas Gerais e Espírito Santo, para a elaboração do relatório, entre 2002 e 2005, a Anistia ouviu relatos impressionantes de líderes comunitários, residentes, membros de grupos de direitos humanos e de outros movimentos sociais.
As queixas vão de revistas abusivas e detenções ilegais a tortura e assassinato. Há casos de crianças que ficaram tão traumatizadas que sequer podem ver os policiais - algumas chegam a chorar ou se urinar quando estão diante deles. Os jovens descrevem apanhar da polícia como sendo "normal".
Contrariando a lei brasileira, os mandados de busca e apreensão coletivos não especificam endereços ou nomes particulares. Sua utilização, para a Anistia Internacional, revela o preconceito existente dentro do sistema de Justiça criminal, em que integrantes da polícia e do Judiciário efetivamente criminalizam comunidades inteiras com um único documento legal.
Outros relatórios publicados por representantes da Organização das Nações Unidas que visitaram recentemente o Brasil também destacam o fato de que as execuções extrajudiciais, o uso excessivo da força e a tortura parecem ter se tornado instrumentos policiais regulares entre algumas forças policiais no país.
Os governos estaduais do Rio e de São Paulo publicam estatísticas de homicídios policiais sob o título de "resistência seguida de morte" ou "autos de resistência". Rotular sistematicamente as vítimas de homicídios policiais como agressores faz com que poucos destes casos sejam investigados de modo efetivo e independente. Os governos estaduais têm usado estas estatísticas como indicador de eficiência policial, ignorando o fato de que muitos dos que foram mortos não tinham antecedentes criminais, estavam desarmados e foram alvejados pelas costas.
Estudos realizados pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), no Rio de Janeiro, mostram que a maioria das pessoas mortas pela polícia levaram tiros pelas costas, geralmente na cabeça. Muitas apresentavam sinais de ferimentos adicionais, tais como lesões causadas por espancamento, sendo que a maioria era de pessoas negras ou pardas".
Desde a posse do governador Sérgio Cabral, as execuções policiais atingiram a um clímax frenético: segundo a organização Justiça Global matava por ano até 2006 mais de mil "civis", isto é, de 3 a 4 pessoas por dia. Nestes dias, porém, esses números estão superados. E nem por isso os índices criminais caíram.
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