Boa Leitura
O calceteiro
O pai nunca vinha. A esposa e filho é quem o representavam. Ela tinha o corpo franzino, a expressão cansada, mas o semblante era suave. Era faxineira.
O filho tinha seus 15 anos. Pálido, muito magro. Sóbrio, pouco falava, mas quando o fazia as palavras nasciam limpas.
Família pequena. Pai, mãe e filho. O pai era funcionário público municipal. Calceteiro. Estranhei. Calceteiro? Me explicaram que era trabalho de assentar pedras de calçamento de ruas. Trabalho pesado, que ele fazia todo dia, fizesse sol ou chuva, contava a esposa, sorridente. Com certeza ela se orgulhava dele.
Quando eu perguntava por ele, respondiam que ele dizia que banco não era lugar para um calceteiro que andava sujo e mal vestido.
Passei a admirar aquela pequena família. Eram profundamente humildes, mas percebia-se que havia uma harmoniosa relação de confiança e de amor entre eles.
Decorrido o processo de análise do crédito, a data da assinatura do contrato foi marcada para uma segunda-feira. No dia o movimento da agência foi muito maior do que o esperado. Eu atendia clientes especiais numa sala reservada, ao mesmo tempo que assinava os contratos de financiamento agendados. Em meio àquela confusão, pessoas entravam e saíam a todo momento. Vi quando chegaram, novamente juntos, mãe e filho. Se encolheram em um canto, de pé, quietos. Eu estava muito curioso. Onde estaria o pai, que eu desejava tanto conhecer? As portas da agência já sendo fechadas, e eu absorto autenticava e separava documentos.
Quando me dei conta, já não havia mais clientes. Só a mãe e o filho, que ainda de pé aguardavam. Chamei-os e entreguei o contrato para que assinassem. O filho saiu da saleta e voltou, pouco depois, acompanhado de um senhor cabisbaixo. Era um homem de aparência rude, beirando ao grotesco. Tinha a barba mal-feita, o cabelo desgrenhado, a roupa suja de terra. Não falou. Esperou calado enquanto a esposa assinava o contrato. Só quando o chamei, me olhou pela primeira vez. Seu olhar me deixou paralisado. Havia nele algo que eu não compreendia, me perturbava. Ficamos assim por algum tempo, e enfim consegui me desvencilhar do seu olhar angustiado e notei que ele ainda não assinara o contrato. Perguntei se ele tinha alguma dúvida, e novamente aquele olhar me atordoou.
Ele me olhava sem falar nenhuma palavra. Só então vi que suas mãos tremiam, e que na sua expressão havia como que um grito que se prendia entre dentes cerrados. Mas antes que eu pudesse reagir, ele começou a falar, a voz trêmula, quase inaudível. Disse que morava "de aluguel" há 20 anos, e que o sonho da sua vida era presentear a família com a casa própria. Não precisava ser grande, nem luxuosa, nada disso. Que fosse um casebre, mas que fosse deles. Nunca acreditou que fossem conseguir o financiamento, pensava que isso era sonho grande demais para ele. E agora estava ali, assinando a compra da sua primeira casa. Enquanto falava, as lágrimas desciam pelo rosto, e respingando no contrato eram gotas de chuva caindo no telhado da casa que realizava o sonho do calceteiro. Era uma cena impressionante. Aquele homem abrutalhado, rude, chorava com uma caneta na mão, e agradecia a Deus, a mim, à Caixa. Eu não pude conter as lágrimas, assim como não contenho agora.
Antes de sair, ele me agradeceu e abriu um sorriso que nunca mais consegui esquecer. Saiu orgulhoso, contrato na mão, rodeado pela minúscula família e por um gigantesco silêncio emocionado, que havia paralisado toda a agência. Naquele dia eu me tornei empregado da Caixa. Percebi que trabalho em uma fábrica de sonhos, e passei a acreditar em milagres.
Aloisio Dozza Dias
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