por Luiz Gonzaga Belluzzo*
O episódio financeiro suscitou uma CPI. Além da voz de prisão dada ao ex-presidente do Banco Central, minha memória ainda registra o empenho dos parlamentares governistas dispostos a impedir os depoimentos mais contundentes e esclarecedores. Segundo um luminar, ocupante do cargo de presidente da Comissão, os depoentes só repetiriam o que os membros da Comissão Parlamentar de Inquérito já sabiam.
Sabiam mas faziam tudo para esconder. A turma do abafa procurou manter as investigações no encalço dos "perdedores". Tamboretes da laia do banco Marka se atolaram em informações privilegiadas e avaliações equivocadas, escoltados por consultores de nomeada. Diga-se, a bem da verdade: os comentaristas e colunistas chapa-branca teimavam em ignorar - e os parlamentares da panela governista também - que, no mercado financeiro, o fenômeno Marka é corriqueiro.
Trata-se do sabichão que faz negócios da China durante muito tempo, a conselho de informantes geniais, estrategicamente estabelecidos. O coeficiente de acertos de Cacciolla & Outros a despeito da evolução da Selic era elevadíssimo.
Um belo dia, o gênio estratégico falha e precipita-se a quebra. Ao contrário do que foi alardeado na ocasião, isso não significa que o gênio estratégico tenha perdido sua genialidade ou mesmo sua posição privilegiada. O momento era desfavorável para um conselho certeiro ou mesmo para qualquer conselho. A despeito da resistência do Banco Central e da insistência dos consultores e palpiteiros, a vaca do real forte foi para o brejo.
É certo que desde a crise da Ásia e sobretudo após a degringolada do rublo, o colapso do LCTM e a continuada devastação das reservas, muita gente que confiava cegamente na manutenção da política cambial botou as barbas de molho.
É natural que tenham se avolumado lenta, mas firmemente, as opiniões que recomendavam a compra de dólares no mercado futuro. Mas há que ser cauteloso e fazer apostas modestas e sobretudo pouco "alavancadas", além de buscar "travar" os riscos com outras operações (em geral, no mercado de juros futuros), porque, caso não viesse a ocorrer a esperada desvalorização do real dólar, o prejuízo seria muito grande. Os contratos negociados nos mercados futuros são instrumentos cujo "custo de carregamento" aumenta com o passar do tempo e com a elevação dos juros e que, portanto, não podem ser adquiridos muito antes de se verificar a mudança esperada no preço do ativo. São contratos alavancados, com chamada de margem: se os preços começam a se movimentar no sentido contrário à aposta, é preciso comparecer com mais grana do próprio bolso. A coisa começa a ficar feia.
Depois do "default" russo, a aversão ao risco assumiu formas agudas. Neste momento, as reservas brasileiras eram de US$ 70 bilhões. O Fundo Monetário exigiu o de sempre: ajuste fiscal, metas rigorosas para o crédito líquido doméstico, limites para o endividamento externo de curto prazo.
Curiosamente e - na visão de muitos - de forma incompatível com os supostos de seu próprio "modelo" de ajustamento, o Fundo concordou com a manutenção da política cambial vigente. O mercado ficou dividido: uma fração majoritária percebeu que esse monstrum vel prodigium da tecnocracia globalitária teria vida curta; outros remaram contra a maré, escorados no acordo com o Fundo, na forte participação das instituições do governo na oferta de hedge cambial, quer através de papéis dolarizados da dívida pública quer através da venda de dólares nos mercados de futuros. Apesar disso, intensificaram-se os ataques contra a cidadela enfraquecida do emergente em dificuldades. As forças de mercado desvalorizaram o real, depois de uma perda de US$ 45 bilhões de reservas.
O que aconteceu nos dias 11 e 12 de janeiro de 1999, no entanto, foi uma ruptura no chamado estado "normal" das expectativas de alguns participantes do mercado. Um seleto grupo de investidores e de instituições financeiras assumiu elevadíssimas posições compradas em dólares na BM&F. Alguns investidores mudaram bruscamente de posição. O grau de alavancagem indicava, quer uma imprudente inclinação para o risco, quer uma notável confiança no taco. Lavaram a égua. Fiéis aos palpites dos gênios desinformados, Cacciola & Outros ficaram com a brocha na mão.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular aposentado da Unicamp, consultor editorial da revista Carta Capital e vencedor do prêmio Juca Pato em 2005.
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