quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Cacciola tem mandado, por meio de familiares, alguns recados ameaçadores: ele promete contar detalhes do que antecedeu e do que se seguiu ao escândalo relacionado à desvalorização do real, em 13 janeiro de 1999.

Conexão Cacciola-Mensalão Mineiro: prato cheio para a mídia

A imprensa brasileira ainda não parece ter percebido a excelente oportunidade que surge com a iminente extradição, pelo principado de Mônaco, do ex-banqueiro Salvatore Alberto Cacciola. Uma pequena nota na revista Veja (nº 2027, de 26/9/2007) dá conta de que Cacciola tem mandado, por meio de familiares, alguns recados ameaçadores: ele promete contar detalhes do que antecedeu e do que se seguiu ao escândalo relacionado à desvalorização do real, em 13 janeiro de 1999.

Por Luciano Martins Costa no Observatório da Imprensa*

A julgar pelo conteúdo do livro Eu, Alberto Cacciola, confesso: o escândalo do Banco Marka, que lançou em 2001, Cacciola tem muito a oferecer aos jornalistas. Suas insinuações podem apontar para uma sólida ponte entre o caso que a imprensa está chamando de "mensalão mineiro" e que trata de possíveis desvios de dinheiro público para a campanha à reeleição do então governador de Minas, o tucano Eduardo Azeredo, e o escândalo que a imprensa denominou simplemente "mensalão", e que tem como principais protagonistas ex-dirigentes do PT e parlamentares da base de apoio do governo federal.

Mas é preciso contar a história toda. Primeiro, esclarecendo que Cacciola não era um aventureiro internacional que especulava no mercado brasileiro, como ficou indicado no noticiário da época. Ele nasceu na Itália durante a Segunda Guerra, mas veio para o Brasil ainda menino, nos anos 1950, quando sua família emigrou para o Rio. Ele começou a trabalhar no mercado financeiro no final dos anos 1960, compondo a primeira geração de yuppies do Brasil, jovens operadores da Bolsa que fizeram fortuna com apostas ousadas e se beneficiaram do crescimento da economia no período do chamado "milagre econômico".

"Protegido pela máquina"

Nos anos 1990, Cacciola já era dono do banco Marka e de duas empresas no exterior, que, segundo se apurou depois, utilizava para operações de remessa ilegal e lavagem de dinheiro. No final de 1998, quando o mercado foi sacudido pelas crises da Ásia e da Rússia, o governo brasileiro ainda mantinha o câmbio fixo, com o real equiparado ao dólar e o presidente Fernando Henrique Cardoso, em plena campanha pela reeleição, garantia que a política cambial não seria alterada.

Vencida a eleição em primeiro turno, o presidente fez o que dizia que não seria feito menos de duas semanas depois de tomar posse. No dia 13 de janeiro, substituiu o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, defensor do câmbio fixo, por Francisco Lopes.

Trabalhando com informações privilegiadas que lhe passavam pessoas bem situadas no Banco Central, Cacciola não acreditou nos boatos de que o governo promoveria uma grande desvalorização da moeda logo no começo de janeiro. Ele havia grampeado os telefones do investidor Luiz Augusto Bragança, amigo de infância de Francisco Lopes, e comparava os dados que obtinha por esse meio com as informações recebidas diretamente de suas fontes no BC.

Apostou no real e perdeu. Mas resolveu usar suas informações para forçar Francisco Lopes a salvar o Marka. Lopes vendeu ao Marka e ao banco FonteCindam, que também corria risco por haver apostado no real, os dólares de que eles necessitavam para cobrir seu patrimônio, o que deu aos cofres públicos um prejuízo calculado em 1,6 bilhão de reais.

A imprensa publicou tudo isso. Publicou também o resultado de investigações centralizadas pelo senador petista Aloizio Mercadante e toda a apuração que se seguiu através da CPI dos Bancos, segundo as quais 24 bancos haviam sido beneficiados por informações privilegiadas sobre a desvalorização do real. Cacciola foi preso num spa do Rio Grande do Sul enquanto esperava o julgamento. Beneficiado por um habeas-corpus do ministro Marco Aurélio Mello, que havia assumido interinamente a presidência do Supremo Tribunal Federal, fugiu para a Itália, de onde não poderia ser extraditado.

Lançou seu livro em 2001, no qual afirma que Francisco Lopes era um personagem menor do escândalo. "Ele foi um fantoche usado por pessoas muito mais importantes", disse Cacciola, em entrevista ao jornalista Leão Serva, do Último Segundo, do portal iG. "Acho que ele foi protegido pela máquina do governo e tudo o que foi feito em termos de Chico Lopes foi muito mais um cinema, porque na realidade nada aconteceu com ele", observou o ex-banqueiro. De fato, Lopes nunca foi condenado por gestão fraudulenta, o que o tiraria do mercado financeiro, e segue ainda hoje atuando como consultor.

Noite na cadeia

Cacciola também estranha que, logo após a CPI dos bancos, o senador Aloizio Mercadante tenha esquecido as denúncias e que a CPI não tenha se aprofundado no esclarecimento das responsabilidades de quem havia comandado a mudança na política de câmbio. Ele insinua que há uma relação entre o retraimento do PT em suas acusações e o financiamento da campanha eleitoral em 2002.

Entre a campanha de 1998, onde teria surgido o chamado "valerioduto" - esquema de captação de dinheiro para a campanha do PSDB em Minas, que passava pelas empresas do publicitário Marcos Valério -, e o chamado "mensalão", que levou à desgraça a antiga cúpula do PT, pode estar o episódio que tem Salvatore Alberto Cacciola como personagem central.

A imprensa tem a oportunidade histórica de destrinchar esse caso, nomeando todos os envolvidos, sem privilegiar partidos com os quais possui afinidades ideológicas. Com isso, pode abrir a possibilidade de um movimento cívico que convença o Congresso Nacional - ou o que dele sobrar - a finalmente promover uma reforma política. Mas também pode repetir o que fez em 2005, sitiando o governo e privilegiando um dos lados da história.

A convergência dos dois capítulos do escândalo que envolve o caixa 2 em campanhas eleitorais tem potencial para levar ao banco dos réus representantes de praticamente todos os grandes partidos políticos. O escândalo Marka-FonteCindam, que deve reviver com a extradição de Salvatore Cacciola, aponta para as cabeças coroadas do PSDB. No meio de todas essa barafunda, é bom não esquecer a figura do presidente do Senado, Renan Calheiros, que vem registrando em seu diário de bordo os feitos e desfeitos de muitos personagens importantes da República.

O Globo saiu na frente, em sua edição de domingo (23/9), com um alentado levantamento sobre os crimes financeiros dos últimos 25 anos, calculando em quase 51 bilhões de reais as perdas causadas à sociedade e aos cofres públicos. É um bom começo, mas ainda distante de relacionar os crimes financeiros com a política. Por enquanto, o único banqueiro que já passou uma noite na prisão foi Salvatore Cacciola, ainda antes do seu julgamento, e nenhuma prisão aconteceu depois de sua condenação. Nem um centavo desses muitos bilhões foi devolvido ao tesouro nacional.

Observatório da Imprensa <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/index.asp>

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